Folena: "organização criminosa segue atuando contra a democracia"
Jurista critica tutela militar, extrema direita e centrão, cita decisões de Alexandre de Moraes e cobra reação do governo Lula diante das ameaças
247 - O jurista Jorge Folena avalia que o Brasil ainda está longe de um cenário de normalidade democrática. Para ele, a tentativa de golpe e a prisão de Jair Bolsonaro e de altos militares não significam pacificação, mas apenas uma etapa de uma disputa em curso. “O momento ainda é de luta”, resumiu, ao apontar que uma organização criminosa que atenta contra a Constituição e as instituições segue atuando de forma “plenamente ativa” no país.
As declarações foram dadas em entrevista ao programa Giro das 11, da TV 247. Folena tomou como referência decisão recente do ministro Alexandre de Moraes, do STF, para reforçar que os articuladores do golpismo seguem organizados, presentes no Parlamento, na burocracia estatal e em diferentes segmentos da sociedade. “Olha, essa organização está ativa, não foi desmontada e nós temos que ficar muito atentos, muito atentos”, advertiu.
Organização criminosa, Estado e projeto de país
Ao comentar os ataques à democracia, Folena descreveu um entrelaçamento de interesses que reúne extrema direita, setores do imperialismo, latifúndio, fascistas e crime organizado. Segundo o jurista, essa coalizão atua de forma articulada “contra o povo brasileiro e em particular todas as forças do campo democrático, popular e progressista”.
Ele sustenta que o objetivo central dessa engrenagem não é um projeto de desenvolvimento nacional, mas a sabotagem sistemática da economia e das instituições. Folena lembrou o pedido de intervenção na economia formulado por Eduardo Bolsonaro, “ratificado” por Jair Bolsonaro, com o propósito de criar barreiras ao Brasil no comércio internacional e prejudicar a indústria e os trabalhadores. Para o jurista, “o objetivo dos Bolsonaros e da extrema direita brasileira não tem, não é um compromisso com o país, não é um compromisso com a pauta do desenvolvimento nacional, não é”.
Desmonte da fiscalização e avanço do ilícito
Folena também descreveu o governo Bolsonaro como período de devastação institucional planejada, em especial na área de controle do Estado. “Bolsonaro desmontou toda a estrutura de fiscalização do poder público, toda ela, volto a dizer, do Ministério do Trabalho, do meio Ambiente, da Receita Federal, toda a fiscalização pública federal foi desmontada no governo do Bolsonaro”, afirmou.
Na sua leitura, essa operação teve objetivo claro: abrir espaço para que práticas ilícitas ocupassem a economia com aparência de legalidade. Sem fiscalização, explica, ampliam-se as oportunidades para fraudadores, contrabandistas, traficantes e estruturas criminosas se instalarem em negócios formalmente regulares. Ao citar o caso ambiental, lembrou que o bolsonarismo defendeu resorts em áreas de manguezais e zonas protegidas, o que favorece atividades ligadas a jogos clandestinos e outros interesses ilegais.
Esse modelo, diz Folena, se alimenta de uma parte da sociedade que rejeita pagamento de tributos, regras urbanísticas básicas e controle estatal. Essa postura, na avaliação do jurista, termina por fortalecer milícias privadas e o crime organizado, que passam a “extorquir a população” e as atividades econômicas. O resultado é um Estado capturado por interesses ilícitos e hostil à regulação democrática.
Condenação, prisão e tratamento privilegiado a militares
Ao analisar as prisões de Bolsonaro, do general Augusto Heleno, de almirantes como Almir Garnier e de outros condenados pelo golpe, Folena foi categórico: “nós já podemos falar que eles são criminosos, porque já há uma decisão transitada em julgado, que os condenou”. E arrematou: “Então nós podemos chamá-los de criminosos doravante, sem nenhum problema ético, sem nenhum problema moral”.
Para o jurista, o país entrou agora na fase de cumprimento de pena, mas o modo como isso vem sendo feito revela uma continuidade da tutela militar sobre a República. Ele critica duramente o fato de Bolsonaro e os generais estarem recolhidos em instalações militares ou na Polícia Federal, enquanto outros presos de colarinho branco, como o banqueiro Daniel Vorcaro, do Banco Master, são enviados ao sistema penitenciário comum. “É um tratamento não isonômico, não igualitário, não republicano”, avaliou.
Folena lembrou que o STF já declarou o sistema penitenciário brasileiro um “estado de coisas inconstitucional” e que, se as condições são degradantes, isso deveria valer para todos. Ao preservar militares condenados do contato com esse sistema, argumenta, as instituições reafirmam que ainda não romperam com a herança autoritária da ditadura.
Tutela militar e raízes do golpe
Na entrevista, o jurista reconstruiu o papel das Forças Armadas no processo que levou ao golpe de 2016 contra Dilma Rousseff, à prisão do presidente Lula e à eleição de Bolsonaro. Segundo ele, a instituição militar participou “desde o início” dessa aventura política, apoiando a Lava Jato, pressionando pelo encarceramento de Lula e sustentando o governo de extrema direita.
Folena destacou os acampamentos golpistas em frente a quartéis, permitidos e estimulados pelo alto comando, como evidência da adesão de parte significativa da corporação ao projeto de ruptura institucional. Para ele, a “tutela militar atuou fortemente, fortemente e na sombra”, inclusive na negociação recente sobre o formato das prisões, em interlocução com o ministro da Defesa e com o Supremo.
Na síntese do jurista, “claro, o perigo da tutela militar ainda continua fortemente no Brasil” e a participação das Forças Armadas na crise democrática segue sem enfrentamento pleno.
Centrão, orçamento e crise entre os poderes
Outro eixo central da entrevista foi o papel do Congresso, em especial das lideranças do chamado centrão. Folena citou diretamente o presidente do Senado, Davi Alcolumbre, e o presidente da Câmara, Hugo Motta, como atores que tensionam a relação com o governo Lula e com o STF, aprofundando a crise institucional.
Ele criticou a reação de Alcolumbre à indicação de Jorge Messias para o Supremo, lembrando que a Constituição atribui ao presidente da República a prerrogativa de escolher ministros, cabendo ao Senado apenas sabatinar e ratificar o nome. Para o jurista, ao usar a presidência do Senado para pressionar o governo, o parlamentar estimula “a desarmonia entre os poderes” e contribui para a fratura democrática.
Folena também atacou a lógica das chamadas “pautas-bomba” e das emendas impositivas criadas após 2016, que concentram poder orçamentário nas mãos de deputados e senadores. Na sua avaliação, o Parlamento “sequestrou uma parcela do poder da presidência da República importantíssimo e que gera corrupção”. O centrão, afirma, tornou-se um dos vetores de instabilidade, ao lado da extrema direita e de interesses econômicos que rejeitam políticas de justiça social, como a isenção de Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil.
Normalidade democrática distante e disputa em aberto
Ao longo da conversa, Folena insistiu que a democracia brasileira está longe da estabilidade. “Nós não vivemos numa normalidade democrática no Brasil há muito tempo. Há muito tempo”, enfatizou. Para ele, o golpe de 2016 abriu um ciclo que ainda não foi superado, no qual extrema direita, centrão, latifúndio, setores do capital financeiro e partes do sistema de justiça continuam disputando o rumo do país.
O jurista observou que essa ofensiva se articula tanto por meio de ações abertamente golpistas quanto por manobras institucionais, como a captura do orçamento, a resistência a indicações do Executivo e a tentativa de criminalizar políticas voltadas à redistribuição de renda e à soberania nacional.
Ramagem nos EUA e o discurso de perseguição política
Folena também comentou a fuga de Alexandre Ramagem para os Estados Unidos, após ter sido condenado pelo STF. Ele considerou “inconcebível” que alguém nessa condição tenha deixado o país sem ser impedido, o que, em sua visão, reforça a tese de que a mesma organização criminosa mencionada por Alexandre de Moraes segue operando com apoio dentro do Parlamento e de outras estruturas.
Nos EUA, avalia o jurista, Ramagem tenta se apresentar como perseguido político, argumentando que teria sido condenado por suas opiniões. Folena contestou essa narrativa, lembrando que a condenação se deu por três crimes: participação em organização criminosa armada, tentativa contra o Estado democrático de direito e tentativa de golpe. Para evitar a extradição, porém, Ramagem procura associar o caso à retórica de perseguição que marcou a defesa do atual presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, em episódios recentes, quando o republicano falou em “caça às bruxas”.
Na avaliação de Folena, o processo de extradição tende a ser longo e complexo, justamente porque se apoiará nesse discurso político e nas brechas dos acordos internacionais. Enquanto isso, o silêncio da Câmara dos Deputados sobre a perda de mandato do ex-parlamentar reforça, segundo ele, a responsabilidade de Hugo Mota na manutenção do quadro de instabilidade.
Lideranças políticas, juventude e responsabilidade institucional
Ao analisar o comportamento de figuras como Alcolumbre e Hugo Mota, o jurista chamou atenção para um problema que, em sua opinião, vai além da idade ou da renovação geracional. Ele argumenta que a atual safra de lideranças que ocupa cargos estratégicos na República muitas vezes não demonstra a “grandeza” necessária para compreender o peso institucional de suas funções.
Folena contrapôs esse quadro a figuras mais experimentadas, como Arthur Lira e Renan Calheiros, que, embora também inseridos no tabuleiro do centrão, têm atuado de maneira mais previsível e negociadora. Para o jurista, a política exige justamente essa capacidade de cálculo e diálogo, em contraste com “posições estomacais” e gestos de afronta aberta às regras do jogo democrático. Assista:



