HOME > Entrevistas

Rombo do Banco Master será pago por todos, afirma economista

Fábio Sobral afirma que prejuízo de 12 bilhões tende a ser transferido ao governo federal, aos aposentados do Rio e aos clientes do sistema bancário

Segurança do lado de fora do Banco Master, após a prisão do acionista controlador do banco, Daniel Vorcaro, em São Paulo - 18 de novembro de 2025 (Foto: REUTERS/ Amanda Perobelli)

247 - O economista Fábio Sobral, professor titular da Universidade Federal do Ceará, avalia que a liquidação do Banco Master inaugura uma nova etapa do caso: a disputa sobre quem vai arcar com o prejuízo estimado em R$ 12 bilhões. Na leitura do pesquisador, o movimento já em curso é o de socializar as perdas entre aposentados do estado do Rio de Janeiro, contribuintes de todo o país e usuários do sistema bancário.

As declarações foram dadas em entrevista ao jornalista Joaquim de Carvalho, da TV 247, que apura o escândalo envolvendo o Banco Master e as aplicações feitas com recursos do fundo de previdência dos servidores estaduais do Rio de Janeiro. Na conversa, Sobral detalha o caminho pelo qual governos estaduais e o sistema financeiro tentam deslocar a conta do rombo para o governo federal e para a população em geral.

Fundo de previdência do Rio no centro do rombo

Sobral lembra que o governo do Rio de Janeiro, comandado por Cláudio Castro, autorizou a aplicação de recursos do fundo de previdência dos servidores em fundos ligados ao Banco Master. Segundo ele, o valor inicialmente admitido pela gestão estadual foi de R$ 900 milhões, depois revisado para R$ 1,9 bilhão.

O economista chama atenção para a narrativa oficial de que os salários dos aposentados não seriam afetados. Ele cita a própria formulação do governo do Rio: “Há, inclusive uma afirmação deles, né, dizendo assim: ‘Não, os salários dos aposentados não serão afetados.’ Isso já é bem estranho.”

A partir daí, Sobral descreve a solução que começou a ser construída pela gestão fluminense: transformar a perda com o Banco Master em precatórios federais, deslocando o problema para Brasília. “Depois vem dizer que o que perdeu em dinheiro com o Banco Master vai tentar fazer precatórios pro governo federal. Ou seja, eles vão querer que o governo federal compre a dívida que o Banco Master tem com eles.”

Do fundo estadual ao Tesouro Nacional

Na avaliação de Sobral, a proposta do fundo de previdência do Rio segue uma lógica já conhecida em crises bancárias anteriores: a transferência da “parte podre” para o Estado e a preservação dos ativos considerados saudáveis. Ele recorre ao histórico de operações desse tipo para explicar o que está em jogo agora.

“É o velho esquema quando ocorrem crises financeiras. 2008, quem assumiu todas as dívidas dos bancos no primeiro mundo, vamos dizer assim, nos países desenvolvidos, foram os governos desses países, né? É o chamado sanear um banco. O que é sanear? tirar a parte podre e privatizar de novo a parte boa.”

Segundo o economista, é esta a lógica que orienta a proposta construída em torno do fundo de previdência do Rio de Janeiro: “Essa é a proposta do fundo de previdência do Rio de Janeiro, que seja assumida como parte podre, saneada. Saneada é um nome até bonito assim, né? Mas na verdade é um golpe. É um golpe na população, né?

Impostos usados para cobrir o rombo

Ao projetar os desdobramentos de uma eventual assunção da dívida pelo governo federal, Sobral traduz em termos concretos como a população pode ser chamada a cobrir o rombo do Banco Master ao longo do tempo.

Ele lembra que, ao transformar a perda em dívida pública, o Tesouro Nacional passa a pagar o passivo com a arrecadação tributária. “O governo assumir como dívida pública, aí ele precisa pagar em prestações essa dívida. Ele arrecada tributos, né? Imagina, você paga o imposto de renda, um pedaço do seu imposto de renda vai para cobrir o rombo do Banco Master. Aí você compra um produto e paga IPI, imposto sobre produtos industrializados. Então a parte vai para cobrir o rombo do Banco Master.”

Para Sobral, não há neutralidade nessa operação. Trata-se de deslocar um prejuízo originado em decisões específicas de investimento para o conjunto da sociedade: “Quer dizer, nós assumiríamos essa dívida, né, que seria paga ao longo do tempo, né, pelo governo federal.”

“Quem vai pagar essa conta?”

No centro da análise de Sobral está a pergunta recorrente desde que vieram a público as informações sobre o Banco Master e sua carteira de operações: quem vai absorver um prejuízo estimado em R$ 12 bilhões? O economista recorda que o próprio controlador do banco, Vorcaro, falou em números dessa ordem.

Sobral afirma que, se a proposta prosperar, a dívida será distribuída entre todos os contribuintes do país. “Claro, não tem mágica, né? É o povo que vai pagar essa conta. Por enquanto, quem está exposto são o Banco de Brasília e os acionistas; os moradores do Distrito Federal escaparam, né? A Caixa escapou, o fundo de previdência do Rio de Janeiro não escapou.”

Em seguida, ele sintetiza o alcance nacional da medida: “A proposta deles é que essa dívida seja assumida pelo governo federal. [...] Está transferindo para todos os brasileiros, todos os estados, tá transferindo o resultado de, no mínimo, uma gestão temerária, né, de comprar um ativo desse.”

Fundo Garantidor e repasse via tarifas bancárias

Além da tentativa de transformar o rombo em dívida pública, Sobral aponta outro canal de socialização das perdas: o uso do Fundo Garantidor de Crédito (FGC). Ele lembra que o FGC é um mecanismo financiado pelos próprios bancos para ressarcir depósitos em caso de quebra de instituições financeiras, garantindo até R$ 250 mil por pessoa física.

Na entrevista, o economista explica que, embora o FGC não seja formalmente abastecido com recursos orçamentários, seus custos tendem a ser repassados aos clientes do sistema financeiro: “Esse fundo garantidor de crédito não nos afeta, ele é dos bancos privados, né? É óbvio que os bancos privados vão querer tirar o prejuízo com base nas operações dele, aumentar tarifas bancárias, né? Eh, taxa de empréstimo, uma série de outras coisas para recuperar o ativo perdido, entende?”

Na prática, afirma ele, a recomposição do FGC após operações de grande porte tende a ocorrer por meio de aumento de tarifas, spreads mais altos e pressão pela manutenção de juros elevados, o que afeta a economia real e o custo do crédito para famílias e empresas.

Golpe prolongado e vigilância sobre o Congresso

Ao analisar a combinação entre proposta do fundo de previdência do Rio e possíveis manobras em torno do FGC, Sobral conclui que o caso do Banco Master não se encerra com a liquidação da instituição nem com o ressarcimento imediato de parte dos aplicadores. Na sua avaliação, o processo entra agora em uma fase de disputa legislativa e política, com risco de deslocamento definitivo do prejuízo para o conjunto da sociedade.

“O governo federal não pode cair nessa, né? Não pode. Agora, eu não duvido, Joaquim, que a Câmara dos Deputados queira implementar isso, certo? Não duvido que criem uma lei, um programa com um nome bonitinho de recuperação, né? E joguem a conta pra gente, entende?”

Para o economista, o desfecho do caso Banco Master dependerá da capacidade de impedir que a combinação entre decisões estaduais, pressão do sistema financeiro e eventuais iniciativas legislativas resulte na transformação de um prejuízo privado em dívida pública ampla. Na sua leitura, a tentativa de transferir o rombo para aposentados, contribuintes e correntistas não é um efeito colateral da crise, mas parte do próprio desenho das soluções que estão sendo negociadas em torno do colapso do banco. Assista: 

 

Artigos Relacionados