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"Hegemonia dos EUA está em declínio irreversível", diz Paulo Nogueira Batista Jr.

Economista aponta em Xangai avanço do mundo multipolar e critica dependência dos BRICS e do NDB do Ocidente

"Hegemonia dos EUA está em declínio irreversível", diz Paulo Nogueira Batista Jr. (Foto: Brasil247)

247 – O economista Paulo Nogueira Batista Jr., ex-vice-presidente do Novo Banco de Desenvolvimento (NDB) e ex-diretor-executivo do FMI, afirmou no Third Global South Academic Forum, realizado em Xangai no último dia 13 de novembro, que o poder dos Estados Unidos vive um processo de declínio “muito mais profundo” do que em crises anteriores. 

Em seu discurso, ele apresentou quatro possíveis cenários geopolíticos para o século XXI e explicou por que considera o avanço da multipolaridade uma tendência praticamente irreversível, com impactos diretos sobre os BRICS, o Sul Global e as instituições financeiras internacionais.

EUA já não têm condições de restaurar a velha hegemonia

O economista abriu seu discurso lembrando que a hegemonia norte-americana conseguiu se recompor no passado, especialmente nos anos 1980, mas argumentou que a situação atual é distinta.

“Nós sabemos que eles estão em declínio. Esse declínio pode até ter acelerado. Mas não veremos, na minha opinião, uma recuperação da velha dominação ocidental que prevaleceu até o início deste século”, afirmou.

Segundo ele, a crise de legitimidade dos EUA é estruturante e não conjuntural, agravada pelo acúmulo de erros estratégicos, polarização interna e perda de capacidade de influência global.

G2 entre EUA e China seria “altamente problemático”, mas improvável

Batista analisou, em seguida, a hipótese de um acordo de partilha global de poder entre Estados Unidos e China — o chamado G2, mencionado recentemente pelo presidente norte-americano Donald Trump em encontro com Xi Jinping.

Ele avaliou que tal arranjo seria “altamente problemático para o Sul Global”, pois deixaria os países emergentes submetidos à coordenação de duas grandes potências. Mas destacou que esse cenário é improvável, principalmente porque a China não confiaria na estabilidade dos compromissos americanos.

“A inflexibilidade dos Estados Unidos nos salva desse cenário”, afirmou.

G3 com China, EUA e Rússia é visto como inviável

O terceiro cenário abordado por Batista — um suposto G3 entre EUA, China e Rússia para dividir o mundo em zonas de influência — foi classificado como ainda mais desfavorável.

Ele argumentou que o Ocidente, especialmente a Europa, rejeitaria essa partilha. Além disso, disse que a própria China teria dificuldades em exercer hegemonia regional, dadas as tensões com Índia, Japão, Vietnã e Filipinas.

“O Ocidente está convencido de seu direito de governar e não aceitaria compartilhar poder com Rússia e China”, afirmou.

Multipolaridade é o futuro e amplia espaço para o Sul Global

Para o economista, o quarto cenário — e o mais provável — é o avanço definitivo do mundo multipolar, com diferentes centros de influência e sem potências capazes de exercer dominância unilateral.

Ele mencionou polos como Estados Unidos–Europa, China, Índia, Rússia e um possível polo sul-americano, caso o Brasil volte a desempenhar papel estratégico na região.

Nesse contexto, ressaltou que o Sul Global ganha margem inédita para se afirmar: “O mundo está mudando tão rápido, e o Ocidente enfrenta tantas dificuldades, que chegou a hora de o Sul Global fazer sua voz ser ouvida”, citou, relembrando frase de um ex-dirigente chinês durante jantar em Pequim.

BRICS e NDB precisam reduzir dependência de Wall Street

Batista alertou que os BRICS seriam anulados em cenários de G2 ou G3, mas tornam-se centrais na multipolaridade. No entanto, fez críticas contundentes ao atual estágio do NDB, banco criado pelo bloco e sediado em Xangai.

Ele afirmou que a instituição “não se tornou o banco global que deveria ser” e que a dependência dos mercados financeiros ocidentais limita sua atuação, especialmente após o congelamento de desembolsos para a Rússia, mesmo em contratos assinados antes da guerra na Ucrânia.

Segundo ele, essa paralisação por medo de sanções demonstra erro estratégico na concepção do banco:

“Subestimamos a gravidade e a duração da cisão geopolítica. O NDB deveria ser muito mais independente dos mercados ocidentais”, afirmou.

O economista também criticou a falta de transparência e a dificuldade de avaliar a real qualidade dos projetos financiados.

BRICS+ enfrenta dilema entre eficiência e inclusão

Ao comentar a expansão do bloco, Batista observou que os BRICS têm atualmente dez países-membros e dez parceiros, mas alertou para o risco de que o crescimento excessivo diminua a capacidade de ação.

“Um grupo muito grande ganha visibilidade, mas perde efetividade”, disse, defendendo uma pausa na expansão, mas sem limitar a cooperação com os cerca de 140 países que compõem o Sul Global.

Sul Global deve assumir protagonismo

Ao encerrar sua apresentação, Batista enfatizou que a transição geopolítica abre oportunidades históricas para países emergentes, desde que haja coordenação e clareza estratégica.

“Chegou a hora de o Sul Global falar, fazer sua voz ser ouvida, para que o mundo possa mudar para melhor”, concluiu.

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