Facções ampliam domínio e alcançam quase metade das cidades da Amazônia
Estudo do FBSP revela avanço expressivo do crime organizado e detalha a disputa pelas rotas estratégicas da região
247 - O avanço de facções criminosas pela Amazônia Legal atingiu um novo patamar, segundo levantamento divulgado pelo g1. A quarta edição do estudo Cartografias da Violência na Amazônia, produzido pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), identificou evidências da atuação de grupos em 344 dos 772 municípios da região, um crescimento de 32,3% em relação ao ano anterior.
No relatório, o FBSP aponta que a expansão criminosa está diretamente ligada ao controle das rotas de tráfico de drogas, especialmente no Alto Solimões. O estudo também destaca que atividades ilegais, como o garimpo, impulsionam ainda mais a presença de organizações na região. Nove estados compõem a Amazônia Legal: Acre, Amapá, Amazonas, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins.
Expansão acelerada de facções
A investigação identificou 17 facções em atividade, entre elas o Comando Vermelho (CV), o Primeiro Comando da Capital (PCC), grupos locais e organizações estrangeiras, como o Tren de Araguá, da Venezuela, e dissidências da antiga Farc, na Colômbia.
O CV aparece como o grupo de maior abrangência, presente em 286 cidades, o equivalente a 83% dos municípios onde há atuação criminosa. O levantamento indica que o avanço da facção fluminense foi de 123% desde 2023, quando sua presença estava confirmada em 128 localidades.
Originado no Rio de Janeiro, o Comando Vermelho domina de forma exclusiva 202 cidades da Amazônia Legal e disputa espaço com rivais em 84 outras. O PCC, por sua vez, mantém atuação em 90 municípios, com controle pleno em 31 e enfrentando disputas em 59. Em comparação a dois anos atrás, o grupo paulista apresenta estabilidade — antes figurava em 93 cidades.
Favorecimento nas rotas e modelo de atuação
Para o gerente de projetos do FBSP, David Marques, o domínio do CV está relacionado ao modo de organização da facção. Segundo ele, a lógica do grupo facilita a disseminação pelo território. “A lógica de funcionamento do Comando Vermelho é como se tivéssemos a criação de franquias associadas ao grupo [nos estados]”, afirma.
Marques também explica que o interesse do CV pela Amazônia deriva da necessidade de escoar drogas pela região, já que o PCC domina a chamada rota caipira, que passa por Mato Grosso do Sul, São Paulo e Paraná e segue para portos destinados ao tráfico internacional.
“O PCC, nesses outros territórios, está muito mais interessado em fazer parcerias com organizações locais e nos fluxos mais macro, do atacado do tráfico. Enquanto o Comando Vermelho tem o interesse pelo atacado também e, para isso, é muito importante o controle territorial”, acrescenta.
Estados mais vulneráveis à atuação criminosa
A presença das facções varia conforme a proximidade das fronteiras. O Acre, por fazer divisa com Peru e Bolívia, registra atuação em 100% de seus 22 municípios. Roraima também apresenta índice elevado, com grupos em 80% de suas cidades.
Confira a distribuição apontada no estudo:
- Acre: 22 de 22 municípios (100%)
- Amapá: 10 de 16 (62,5%)
- Amazonas: 25 de 62 (40%)
- Maranhão (parte amazônica): 53 de 181 (29%)
- Mato Grosso: 92 de 141 (65%)
- Pará: 91 de 144 (63%)
- Rondônia: 21 de 52 (40%)
- Roraima: 13 de 15 (80%)
- Tocantins: 17 de 139 (12%)
Violência em números
Apesar da queda nas mortes violentas na Amazônia Legal — 8.047 registros em 2024 — a taxa ainda permanece 31% acima da média nacional. O Maranhão foi o único estado da região a registrar alta nos homicídios, com aumento de 11%.
O levantamento também evidencia outros indicadores preocupantes:
- O Amapá lidera o ranking de violência;
- Pará e Maranhão encabeçam os conflitos no campo, com 1.317 ocorrências em 2024, alta de 20%;
- Feminicídios são 19% mais frequentes que a média brasileira;
- Casos de estupro somam 13 mil, com 80% das vítimas tendo até 14 anos;
- Facções têm estabelecido regras comportamentais para mulheres, chegando a exigir autorização para encerramento de relacionamentos;
- Municípios sem presença policial tornam-se zonas dominadas por facções;
- A apreensão de drogas cresceu 21% em 2024;
- Entre 2019 e 2024, a Polícia Federal confiscou 118 toneladas de cocaína na região, aumento de 84,8%.
A pesquisa reforça que o fortalecimento das organizações criminosas na Amazônia é consequência direta da disputa por rotas internacionais, somado à ausência do Estado em áreas estratégicas.



