Ministros do STF não podem ser intocáveis, diz Julia Duailibi
Artigo compara crise ética na Suprema Corte dos EUA com desgaste do STF e defende regras claras de conduta e transparência
247 – A jornalista Julia Duailibi afirma que ministros do Supremo Tribunal Federal não podem ser tratados como intocáveis e que a instituição precisa enfrentar, com transparência e regras objetivas, uma crise de credibilidade que se aproxima do que já ocorreu nos Estados Unidos. Em artigo publicado em O Globo, a colunista traça um paralelo entre o desgaste do STF e a “crise ética” que atingiu a Suprema Corte americana, sustentando que toga não é sinônimo de imunidade moral nem de superioridade institucional.
Duailibi parte de um caso emblemático: no final de 2024, um comitê do Senado dos EUA divulgou o resultado de uma investigação de 20 meses sobre condutas de integrantes da Suprema Corte. O relatório, chamado “Uma Investigação sobre o Desafio Ético da Suprema Corte”, apontava “lapsos éticos” e “repetidas falhas” de juízes americanos. A investigação, lembra ela, se apoiava num pressuposto simples: juízes vestem capas, mas não são super-heróis.
“Crise ética” nos EUA e confiança pública em queda
O relatório do Senado americano descreve um conjunto de episódios envolvendo presentes de luxo, viagens e potenciais conflitos de interesse. Ao final da apuração, o senador democrata Dick Durbin resumiu o impacto político e institucional do escândalo com uma declaração dura:
— “Agora, mais que nunca, sabemos a extensão da crise ética em que a Suprema Corte está atolada, crise criada por ela mesma. Seja por não divulgar presentes luxuosos ou por não se declarar impedida em casos com aparentes conflitos de interesse, fica claro que os juízes estão perdendo a confiança do povo americano nas mãos de um bando de bilionários bajuladores.”
Entre os casos citados, Clarence Thomas, indicado em 1991 por Bush pai, teria escondido caronas em jatinhos e passeios em iates oferecidos por um magnata. Antonin Scalia, indicado por Reagan em 1986 e morto em 2016, teria aceitado “durante mais de uma década presentes luxuosos de bilionários e de pessoas com negócios perante o tribunal, incluindo 258 viagens pessoais”. Já Sonia Sotomayor, indicada por Obama em 2009, teria falhado ao não dar transparência a uma viagem paga por uma universidade.
O desgaste repercutiu no humor social. A colunista lembra que o Pew Research Center registrou, em agosto, que apenas metade dos americanos disse ter opinião favorável da Suprema Corte — em 2020, esse índice era de 70%. Para Duailibi, os números mostram que confiança institucional não é um bem permanente: pode ser corroída quando práticas internas não são compatíveis com padrões mínimos de ética pública.
STF enfrenta crise parecida, aponta colunista
Segundo Duailibi, o Supremo brasileiro vive situação semelhante. Ela menciona como exemplos recentes a viagem de jatinho de Dias Toffoli e o contrato da mulher de Alexandre de Moraes com o Master, casos que geraram novas ondas de críticas e suspeitas. Mas, para a jornalista, o problema não é pontual: já faz tempo que o STF ignora padrões de prestação de contas, seja em viagens, eventos ou em relações que envolvem parentes-advogados.
Além disso, Duailibi destaca que o tribunal tem avançado no terreno do Direito de forma cada vez mais expansiva, com pontos sensíveis como o excesso de decisões monocráticas e mudanças nas regras do jogo de acordo com conveniências políticas. Essa combinação — falta de transparência e protagonismo crescente — estaria alimentando desconforto não apenas entre setores ligados ao golpismo, mas também entre quem defende a democracia e deseja punição para golpistas.
Para a colunista, a crítica ao STF não pode ser reduzida a uma reação de extremistas. Há, segundo ela, um incômodo legítimo de quem compreende a democracia como um sistema que funciona com freios e contrapesos, e que não pode aceitar que um Poder se coloque acima de qualquer mecanismo de controle.
Código de conduta: a diferença entre reagir e negar
Nos Estados Unidos, a resposta institucional veio com a criação de um Código de Conduta em 2023, justamente como reação à crise de legitimidade. No Brasil, Duailibi aponta que o presidente do STF, Edson Fachin, teve a coragem de defender um manual de boas práticas.
Ela observa, porém, que alguns dos ministros mais influentes são contra a ideia, como se fosse “demérito” se submeter a regras de conduta escritas. Fachin teria como referência o Tribunal Constitucional da Alemanha, que, cinco anos antes dos americanos, já havia editado seu manual de boas práticas.
Entre os princípios citados no texto, está o mais básico: juízes só podem aceitar presentes ou viagens que não comprometam a reputação do tribunal e que não lancem dúvidas sobre a independência e imparcialidade de seus integrantes. O ponto central é direto: regras não diminuem a instituição — ao contrário, protegem-na.
O risco do culto ao herói e a defesa das instituições
Duailibi encerra sua reflexão lembrando que, no Brasil, há uma tendência permanente de procurar “heróis” na política e nas instituições. Mas fora dos quadrinhos, pessoas são falíveis. O herói de ontem pode virar vilão amanhã, e vice-versa, num ciclo que enfraquece a confiança pública.
Nesse contexto, a colunista sugere que o verdadeiro heroísmo institucional está em preservar as instituições com normas claras, transparência e prestação de contas. Em outras palavras: ministros do Supremo não podem ser intocáveis porque, quando se tornam intocáveis, a democracia passa a depender de castas — e não de regras.



