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Após conversa com Xi, Trump pede que Japão modere o tom sobre Taiwan

Após reclamações de Xi Jinping, presidente dos EUA orienta Sanae Takaichi a evitar provocações sobre a soberania de Taiwan

Os presidentes dos EUA, Donald Trump, e da China, Xi Jinping - 30/10/2025 (Foto: REUTERS/Evelyn Hockstein)

247 - O líder chinês Xi Jinping estava irritado, e Donald Trump, presidente dos Estados Unidos, ouviu atentamente. Dias depois de a primeira-ministra japonesa, Sanae Takaichi, provocar forte reação em Pequim ao sugerir que um ataque chinês a Taiwan poderia levar a uma resposta militar de Tóquio, Xi dedicou cerca de metade de uma ligação de uma hora com Trump para reafirmar a reivindicação histórica de Pequim sobre a ilha, além de frisar a responsabilidade conjunta entre Washington e a China na preservação da ordem internacional.

De acordo como Wall Street Journal, Trump telefonou para Takaichi no mesmo dia da conversa com Xi e a orientou a não acirrar o embate com Pequim em torno da soberania de Taiwan, segundo autoridades japonesas e um interlocutor norte-americano informado sobre a chamada. Embora tenha dado o conselho, ele não exigiu que a líder japonesa recuasse publicamente das declarações que irritaram a China, apontaram as fontes consultadas pelo jornal.

A mensagem deixou autoridades em Tóquio apreensivas. Para integrantes do governo japonês, Trump buscava evitar que tensões em torno de Taiwan comprometessem a recente trégua comercial firmada com Xi, que inclui a promessa chinesa de ampliar a compra de produtos agrícolas dos Estados Unidos para aliviar os prejuízos causados aos agricultores pela guerra comercial.

Questionada pelo Wall Street Journal sobre o teor da conversa, a Casa Branca divulgou uma declaração escrita de Trump: “O relacionamento dos Estados Unidos com a China é muito bom, e isso também é muito bom para o Japão, que é nosso querido e próximo aliado. Dar-se bem com a China é algo excelente tanto para a China quanto para os EUA. Na minha opinião, o presidente Xi vai aumentar substancialmente suas compras de soja e outros produtos agrícolas, e tudo o que for bom para nossos agricultores é bom para mim".

Na mesma mensagem, Trump acrescentou: “Assinamos acordos comerciais maravilhosos com Japão, China, Coreia do Sul e muitos outros países, e o mundo está em paz. Vamos manter assim!".

Já uma porta-voz da primeira-ministra japonesa contestou a versão, afirmando que não é correto dizer que Trump aconselhou Takaichi a não provocar o governo chinês sobre Taiwan e que tal recomendação não foi feita.

O episódio evidencia a nova realidade na relação entre China e Estados Unidos, em que a trégua comercial e a questão de Taiwan se tornam cada vez mais interligadas, num momento em que Trump e Xi se preparam para vários encontros no próximo ano. Embora Washington reconheça — sem endossar — a reivindicação chinesa sobre a ilha, os EUA fornecem armas defensivas a Taiwan.

Trump tem elogiado Takaichi por sua postura dura em relação à defesa e chegou a participar com ela de um evento a bordo de um porta-aviões norte-americano em Yokosuka, como demonstração da aliança bilateral. Mas as declarações recentes da líder japonesa surgiram em momento delicado para Trump, que tenta fortalecer sua relação com Xi. Em 7 de novembro, ao falar a parlamentares, Takaichi advertiu que o Japão poderia acionar suas Forças de Autodefesa ao lado de outros países caso a China atacasse Taiwan. A fala levou Pequim a adotar medidas diplomáticas e econômicas de retaliação contra o Japão. Um diplomata chinês chegou a postar nas redes sociais que “seu pescoço deveria ser cortado”.

A ligação de Trump para Takaichi refletiu a ênfase dada por Xi ao tema de Taiwan na conversa entre os dois líderes, segundo pessoas informadas sobre o diálogo. O relato chinês da chamada registrou que Xi afirmou a Trump que “o retorno de Taiwan à China é um componente importante da ordem internacional do pós-guerra”.

Durante sua conversa com a primeira-ministra japonesa, Trump sugeriu que ela moderasse o tom de suas declarações sobre Taiwan, segundo o interlocutor americano, embora soubesse das limitações políticas domésticas de Takaichi, que dificilmente poderia recuar totalmente das afirmações que irritaram Pequim. O governo japonês sustenta que a líder falou em termos hipotéticos e reiterou uma posição tradicional do país, ainda que tenha sido incomum a franqueza adotada por uma premiê em exercício.

Trump disse a jornalistas, na noite de terça-feira, que teve “uma ótima conversa” com Takaichi. “Temos uma grande relação”, declarou. “Ela é muito inteligente, muito forte. E vai ser uma grande líder".

No Parlamento japonês, Takaichi afirmou que não tinha intenção de entrar em detalhes sobre um eventual cenário envolvendo Taiwan, em comentário interpretado por analistas como um gesto de abrandamento. “Eu não pretendia mencionar quaisquer especificidades”, disse, ao ser confrontada por um parlamentar sobre a fala que irritou Pequim.

Especialistas destacaram que a ordem das ligações — primeiro Xi, depois Takaichi — pode sugerir uma disposição de Trump em conter uma posição controversa de um aliado em nome da relação comercial com Pequim. “Não é nada surpreendente que um presidente dos EUA converse com os líderes chinês e japonês”, afirmou Matthew Goodman, ex-assessor para assuntos asiáticos no governo Obama e pesquisador do Conselho de Relações Exteriores. “Mas a ordem das chamadas é interessante e provavelmente levantou sobrancelhas em Tóquio".

A conversa entre Trump e Xi também deixou claro o que mais pesa para cada lado. Segundo uma fonte próxima à Casa Branca, o telefonema teve foco no comércio, com Washington preocupado com o atraso chinês na implementação das compras prometidas de soja. Trump disse ter pedido a Xi que acelerasse o ritmo — “Eu gostaria que você comprasse um pouco mais rápido”, relatou — e afirmou que o líder chinês “concordou mais ou menos” em fazê-lo.

Após o encontro de fim de outubro entre Trump e Xi na Coreia do Sul, Washington anunciou que a China havia concordado em adquirir 12 milhões de toneladas de soja até o fim do ano e 25 milhões de toneladas anuais pelos três anos seguintes. Pequim não confirmou oficialmente esses números. A prioridade de Xi, contudo, foi Taiwan. Embora não tenha mencionado o Japão nem pedido explicitamente que Trump pressionasse Tóquio, seu comentário sobre a ordem do pós-guerra foi interpretado como alusão ao país derrotado em 1945, demonstrando a profundidade de sua preocupação com as tensões recentes.

O Wall Street Journal já havia informado, em setembro, que Xi buscava de Trump a concessão máxima: um compromisso de se opor à independência de Taiwan. Na ocasião, o Departamento de Estado reafirmou que os Estados Unidos rejeitam “qualquer mudança unilateral do status quo de qualquer lado” e que “a China representa a maior ameaça à paz e à estabilidade no Estreito de Taiwan”.

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