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Nova corrida nuclear coloca Estados Unidos contra Rússia e China

Ampliação simultânea de arsenais em Moscou e Pequim desafia liderança militar de Washington e reacende o debate sobre testes e controle de armas nucleares

China apresenta míssil nuclear intercontinental (Foto: CGTN)

247 – A nova corrida nuclear mundial já começou – e, desta vez, o tabuleiro é mais complexo do que na Guerra Fria. Os Estados Unidos precisam se preparar para enfrentar, ao mesmo tempo, duas potências nucleares em ascensão, Rússia e China, em um contexto em que perderam a antiga vantagem industrial e econômica que sustentou sua superioridade militar durante o século XX.

Segundo reportagem do jornal The Wall Street Journal, Pequim corre para reduzir a distância em relação a Washington, enquanto Moscou aposta em sistemas de nova geração voltados diretamente para cidades norte-americanas e usa ameaças atômicas para pressionar o Ocidente. O cenário alimenta um “terceiro século nuclear”, mais parecido com os tempos da Guerra Fria do que com o período de desarmamento dos anos 1990 e 2000.

China acelera expansão do arsenal e exibe sua tríade nuclear

Por décadas, a China manteve um arsenal relativamente modesto, com foco em dissuasão mínima. Isso mudou rapidamente. Estimativas americanas citadas pela reportagem apontam que Pequim deve alcançar uma espécie de paridade com os Estados Unidos em ogivas nucleares desdobradas por volta de meados da década de 2035.

Em setembro, o líder chinês Xi Jinping exibiu pela primeira vez, em um desfile em Pequim, a tríade nuclear do país – o conjunto de mísseis balísticos com capacidade nuclear lançados de terra, mar e ar – durante as comemorações dos 80 anos da vitória sobre o Japão. Ao lado de Xi, no topo do Portão da Paz Celestial, estavam o presidente russo Vladimir Putin e o líder norte-coreano Kim Jong Un, sinalizando a aproximação entre Moscou, Pequim e Pyongyang.

Enquanto isso, Putin intensifica a retórica atômica. Segundo o Wall Street Journal, o presidente russo já usou ameaças nucleares para conter o apoio militar dos Estados Unidos à Ucrânia, deslocou armas nucleares para Belarus e, nas últimas semanas, testou o míssil de cruzeiro de propulsão nuclear Burevestnik e o drone submarino nuclear Poseidon, que ele afirma serem imunes às defesas americanas.

Aliança sino-russa aumenta incerteza estratégica para os aliados dos EUA

A antiga rivalidade entre China e União Soviética, que chegou à beira de um confronto nuclear na crise de fronteira de 1969, deu lugar a uma parceria estratégica que amplia a incerteza para Washington, Europa e aliados asiáticos. Essa inquietação, segundo a reportagem, é agravada pelas dúvidas de parceiros dos Estados Unidos sobre o compromisso do atual presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, com obrigações de defesa coletiva como as da Otan.

“O movimento agora é de construção de arsenais nucleares, não de redução”, afirmou Matthew Kroenig, diretor do Scowcroft Center do Atlantic Council e ex-funcionário do Pentágono. “Estamos entrando no terceiro século nuclear, que vai ser muito mais parecido com a Guerra Fria do que com os anos 1990 e 2000”, disse.

Um relatório bipartidário de uma comissão do Congresso sobre a postura estratégica dos Estados Unidos, da qual Kroenig participou, recomendou em 2023 que Washington considere ampliar seu arsenal nuclear pela primeira vez em décadas, em resposta à expansão chinesa.

Pressão interna por mais armas e números da corrida nuclear

De acordo com a Federação de Cientistas Americanos, citada pelo Wall Street Journal, os Estados Unidos possuem atualmente 5.117 ogivas nucleares, das quais 3.700 estão aposentadas em estoque. A Rússia aparece com 5.459 ogivas e a China, com cerca de 600. A Coreia do Norte, que selou no ano passado uma aliança militar com Moscou, teria aproximadamente 50 ogivas e investe pesadamente em mísseis intercontinentais e capacidades submarinas capazes de atingir o território norte-americano.

Trump afirma desejar reduzir o número de armas nucleares, mas condiciona qualquer recuo à disposição dos rivais em também se desarmarem. No mês passado, ele defendeu inclusive a retomada de testes nucleares, algo que os Estados Unidos não fazem desde 1992.

Pentágono admite que cálculo estratégico com Rússia, China e Coreia do Norte mudou

Para especialistas ouvidos pela reportagem, Washington subestimou a rapidez da transformação do cenário nuclear. “Todo o nosso programa de modernização nuclear foi dimensionado em torno da crença de que continuaríamos a ter novos cortes com a Rússia, e de que China e Coreia do Norte não representariam desafios à postura dos EUA. Todas essas suposições se mostraram erradas”, disse Vipin Narang, diretor do Center for Nuclear Security Policy do MIT.

Ele alerta para o risco de um conflito simultâneo em dois teatros: “Se houver um conflito regional na Europa e a China decidir tomar Taiwan, ou vice-versa, ficaremos extremamente sobrecarregados. Esses são os tipos de cenários para os quais realmente não estamos preparados”, afirmou.

China rejeita controle de armas enquanto busca dissuasão

Pequim não demonstra interesse em negociações de controle de armas. Argumenta que Estados Unidos e Rússia, como maiores detentores de arsenais, devem cortar ogivas primeiro. Enquanto Moscou usa a ameaça nuclear para compensar fragilidades convencionais, estrategistas chineses dizem que o cálculo na Ásia é o oposto.

“Para a China, a questão é que, como os EUA têm medo de perder em uma guerra convencional, algumas pessoas sugerem usar uma arma nuclear contra a China no estreito de Taiwan”, disse o coronel aposentado Zhou Bo, hoje pesquisador da Universidade Tsinghua. “A China deve aumentar seu arsenal — não para alcançar paridade, mas até o ponto em que os EUA jamais sequer ousem pensar em usar armas nucleares contra a China. E então, em uma guerra convencional, a China pode vencer”, afirmou.

Poder industrial chinês alimenta confiança militar

Uma breve guerra neste ano entre Paquistão, apoiado por armas chinesas, e Índia, que perdeu ao menos um caça Rafale, reforçou a percepção de força crescente de Pequim.

“Os EUA realmente não têm capacidade de travar uma guerra em grande escala na Ásia”, avaliou Tang Xiaoyang, chefe de relações internacionais da Universidade Tsinghua. “Os EUA percebem que, se houver uma guerra, a China está atualmente bastante confiante de derrotá-los devido à sua forte capacidade industrial”, declarou.

Testes nucleares, armas exóticas e guerra psicológica

Estados Unidos, Rússia e China avançam em sistemas de entrega mais sofisticados, ainda que muitas de suas ogivas sejam antigas. Washington moderniza seu arsenal com testes subcríticos, sem explosão nuclear.

Trump voltou a cogitar testes reais após relatórios sugerirem que Rússia e China estariam realizando experimentos supercríticos. A discussão ganhou força após testes russos com o míssil Burevestnik e o drone submarino Poseidon, ambos de propulsão nuclear.

Putin usa “carta nuclear” quando a guerra aperta, dizem analistas

Apesar do barulho, as armas russas mais exóticas ainda não estão plenamente operacionais. Para especialistas, funcionam mais como instrumento psicológico.

“Os pronunciamentos de Putin precisam ser respondidos. Quando a guerra na Ucrânia começou, em 2022, havia um enorme desequilíbrio de medo”, disse Serhii Plokhy, professor de Harvard. “Se não houver resposta, Putin está vencendo”, afirmou.

Putin pediu estudos sobre retomada de testes nucleares, embora sem ordens práticas imediatas. Um alto funcionário ouvido pelo jornal afirmou: “Os russos sempre jogam a carta nuclear quando as coisas não vão bem para eles.”

China segue caminho pragmático, dizem especialistas

Para o pesquisador Fabian Hoffmann, da Universidade de Oslo, a Rússia investe em sistemas “assustadores”, mas pouco eficientes. “É um desperdício de dinheiro”, disse. “A China tem uma abordagem mais inteligente: constrói ogivas e mísseis balísticos intercontinentais, sem buscar projetos exóticos.”

O fim da vigência do tratado New Start e a ausência da China em acordos de controle de armas consolidam um ambiente de maior proliferação e risco de escalada.

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