Agronegócio do BB só deve se normalizar em 2026, projeta gestão
Banco acelera renegociações sob a MP 1314 e reforça critérios de risco após salto histórico da inadimplência rural
247 - O Banco do Brasil prevê que a carteira de crédito do agronegócio só retomará plena estabilidade em 2026. A avaliação foi apresentada durante teleconferência de resultados e detalhada em matéria publicada originalmente pelo Brazil Stock Guide, citada nesta reportagem. O banco sustenta que o atual ciclo de estresse no campo ainda exigirá um ano de transição.
De acordo com a publicação do Brazil Stock Guide, a presidente do BB, Tarciana Medeiros, classificou 2025 como um “ano de transição”, marcado pelo avanço de renegociações amparadas pela Medida Provisória 1314 e por um volume expressivo de provisões. Segundo ela, muitos produtores aguardavam a regulamentação da MP para retomar pagamentos, o que pressionou as classificações de risco.
O diretor de Riscos, Felipe Prince, explicou que essa espera distorceu o fluxo de migração entre estágios de crédito, preservando parte dos empréstimos em estágio intermediário. “Outubro ainda foi pressionado, mas deve marcar o pico do ciclo”, afirmou, ao indicar que as renegociações ganharam fôlego.
Executivos relataram que, em apenas 24 dias, o banco atingiu o ritmo de renegociações antes projetado para dois meses, com R$ 5,4 bilhões já aprovados e R$ 11,4 bilhões em análise. A meta de R$ 24 bilhões em operações com recursos livres permanece. O banco enfatizou que não há teto formal para renegociações com verbas próprias — o limite se aplica apenas a fundos regulados.
Carteira renegociada vira foco de risco
O salto nas operações reestruturadas foi alvo de questionamentos. Prince reconheceu o desconforto com o tamanho da carteira, atribuindo sua expansão ao acúmulo de prorrogações por anos sem ajustes estruturais. Pela MP 1314, os contratos passam a ser reorganizados caso a caso, com novos fluxos e prazos.
O vice-presidente de Agronegócios, Gilson Bittencourt, reforçou que o banco aplica critérios rígidos de viabilidade. Alguns clientes recebem prazos curtos, outros até nove anos, e parte não se qualifica. Ele detalhou a distribuição das renegociações: 33% no Centro-Oeste, 27% no Sudeste e 21% no Sul, destacando que a maior parte das operações com fundos controlados está concentrada em estados afetados por choques climáticos e de preços.
Originação redesenhada após safra atípica
Analistas quiseram saber se o problema pode se repetir na próxima safra. Bittencourt afirmou que 2024/2025 reuniu uma combinação atípica de clima, volatilidade de preços e alavancagem, mas disse que o BB já revisou seu modelo de crédito. As novas operações usam garantias fiduciárias, produtividade georreferenciada, histórico desde a década de 1960 e fiscalização mais rígida de arrendatários.
Prince acrescentou que o banco adotará postura mais firme em litígios, inclusive com pedidos de falência em casos de uso abusivo de recuperações judiciais.
Pressões no crédito corporativo e no varejo
A teleconferência também abordou o crédito corporativo, após o banco provisionar R$ 1,3 bilhão ligado a grandes empresas. Prince disse que clientes em recuperação judicial só poderão aderir à MP 1314 após deixar o processo, pois o programa é destinado a negócios viáveis.
No varejo, o BB registrou a maior inadimplência acima de 90 dias desde 2014. O CFO, Giovanni Tobias, atribuiu mais de 40% da deterioração a famílias do meio rural, com reflexos até nos cartões. Ele espera melhora no quarto trimestre, sustentada pela sazonalidade e por renda extra das festas. Para 2026, projeta expansão com crédito consignado para servidores e trabalhadores privados — produto que já soma R$ 11 bilhões em desembolsos.
Tobias também afirmou que a isenção do imposto de renda até R$ 5 mil pode aliviar orçamentos familiares e favorecer o pagamento das dívidas.
Capital pressionado até 2026
Questionado sobre dividendos, Tobias disse que a política de distribuição ficará mantida em 30%, devido às pressões regulatórias e ao fim de mecanismos de capital. A chefe de Relações com Investidores, Janaína Stott, detalhou os impactos: cerca de 60 pontos-base do fim do CGPE, 25 pontos-base da Resolução 4.966, 10 pontos-base anuais de risco operacional e resgates de híbridos avaliados em R$ 1 bilhão por ano. Ela ressaltou que cada real renegociado pela MP 1314 gera ativos fiscais que compensam parte dessas exigências.
Margens, tesouraria e carga tributária em reconfiguração
Com os juros em queda, Tobias afirmou que a margem financeira deve ficar menos pressionada por custos de captação pós-fixada, mas sofrer com spreads menores no varejo. A tesouraria teve papel relevante no terceiro trimestre, apoiada pela liquidez elevada e pela Selic alta, mas tende a contribuição moderada e mais previsível em 2026.
O CFO também foi questionado sobre a alíquota de imposto negativa no trimestre. Ele explicou que o volume de ativos fiscais diferidos gerados pela Resolução 4.966 superou o lucro antes dos tributos. A tendência, disse, é que a taxa efetiva permaneça em “um dígito baixo” enquanto as provisões seguirem elevadas. Segundo ele, o Supremo Tribunal Federal prorrogou até meados de 2027 o prazo de negociação dos planos econômicos, mantendo previsões estáveis.
Um ciclo longo, mas com direção definida
Os executivos repetiram que o banco enfrenta um dos ciclos de crédito mais complexos dos últimos anos. Mesmo assim, projetam estabilização da inadimplência rural no fim de 2025 e retomada consistente em 2026, impulsionadas pela aceleração das renegociações, pela revisão dos critérios de originação e pela expansão de produtos varejistas mais seguros.
Apesar de absorver quase R$ 60 bilhões em provisões neste ano, o BB estima entregar cerca de R$ 20 bilhões em lucro líquido em 2025 — sinal, segundo a administração, da capacidade da instituição de atravessar um choque histórico no agronegócio.




