Mudanças na moratória da soja dependem de segurança contra retroatividade, diz Abiove
Abiove condiciona revisão do pacto a garantias jurídicas e aguarda decisão do STF sobre ações e lei de Mato Grosso
247 - A Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove) reforçou que qualquer revisão na moratória da soja só ocorrerá se houver garantia explícita de que os 19 anos de vigência do acordo não serão alvo de responsabilização retroativa. A posição foi detalhada pelo presidente-executivo da entidade, André Nassar, em entrevista ao Broadcast Agro, destacada pelo Broadcast nesta quinta-feira (13).
As declarações vêm após o Supremo Tribunal Federal (STF) suspender todos os processos relacionados ao pacto — decisão tomada pelo ministro Flávio Dino na quarta-feira (5). A liminar atendeu a pedido da própria Abiove, que buscava concentrar em um único foro as disputas envolvendo o acordo ambiental firmado em 2006 para impedir a compra de soja cultivada em áreas desmatadas da Amazônia após julho de 2008.
Nassar afirmou que a manutenção do modelo original é inviável diante da crescente litigância. “Alguém aqui acha que a moratória vai sair exatamente igual ela está com essa litigância? Não. Então ela vai mudar”, declarou. Para ele, tanto o STF quanto o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) já indicaram a necessidade de ajustes. “O próprio ministro Flávio Dino escreveu isso. Então, isso para nós, da indústria, é um sinal muito claro”, disse.
A liminar suspendeu três frentes que avançavam simultaneamente: a investigação do Cade sobre suposta troca de informações entre tradings, a ação bilionária movida pela Associação dos Produtores de Soja e Milho de Mato Grosso (Aprosoja-MT) na Justiça estadual de Cuiabá e o debate constitucional sobre a Lei 12.709/2024, que proíbe incentivos fiscais a empresas que mantiverem o pacto a partir de quinta-feira (1º) de janeiro de 2026. O julgamento no plenário virtual do STF deve se encerrar na terça-feira (25).
Segundo Nassar, a iniciativa de levar o tema ao Supremo buscava dar previsibilidade ao setor. “A gente entendeu que aquela decisão balizaria o debate no Cade. Só que o negócio do Cade não ficou muito linear dentro do que a gente esperava”, afirmou. Ele lembrou que, no domingo (3), a Superintendência-Geral do Cade abriu novo inquérito administrativo no mesmo dia em que o STF formava maioria para validar a lei mato-grossense.
O dirigente foi categórico ao definir a prioridade da entidade: impedir que a moratória seja julgada retroativamente. “A gente não vai mudar uma moratória sob o risco de o passado dela ser condenado”, afirmou. Ele criticou iniciativas que atribuem prejuízos econômicos generalizados ao pacto. “A condenação do passado da moratória é uma construção que os produtores estão fazendo. Não é uma verdade. Porque você pode até dizer que a moratória gerou dano para alguns produtores, mas o que ela fez com a soja? E todo o mercado que ela gerou para a soja?”, questionou.
Nassar relatou que há diálogo contínuo com o governo federal, o Ministério Público Federal (MPF) e organizações não governamentais, mas que conversas com representantes dos produtores seguem difíceis. “A gente tem muita dificuldade de dialogar com os produtores, porque em toda a conversa que a gente tem com eles a indenização é colocada na mesa”, afirmou. Ele avalia que a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), que pediu ao STF a reversão da liminar, tende a manter alinhamento com a Aprosoja-MT para preservar a estratégia indenizatória.
A lei mato-grossense que entra em vigor em quinta-feira (1º) de janeiro de 2026 é vista pela Abiove como ponto de inflexão. “Cada empresa vai ter que tomar uma decisão no início do ano que vem. Vai virar uma decisão comercial de cada empresa”, disse Nassar. Ele admite que algumas tradings podem abandonar o pacto. “Se isso vai matar a moratória, eu não sei, porque pode ser que umas saiam, outras não.”
Sobre a investigação de cartel, Nassar negou prática anticoncorrencial. “Discussão sobre preço, de volume de produção de cada produtor, nada disso ocorre ali”, afirmou. Ele explicou que o pacto se limita à verificação da conformidade ambiental das propriedades, com listas compartilhadas com ONGs e órgãos públicos.
O presidente da Abiove também contestou a tese de que o pacto imponha critérios mais rigorosos do que o Código Florestal. Segundo ele, a legislação serve como piso mínimo e não impede o setor privado de adotar padrões mais elevados para frear o desmatamento. Um levantamento interno da entidade aponta que a maioria das propriedades bloqueadas pelo pacto não cumpre integralmente as exigências legais.
Nassar concluiu que o embate ganhou forte dimensão política, especialmente em Mato Grosso, e que a discussão deve permanecer intensa à medida que se aproximam as eleições de 2026, mantendo pressão sobre o futuro formato da moratória e sobre as decisões comerciais das empresas envolvidas.



