Lula defende no G20 uma nova ordem global contra a desigualdade e alerta para riscos do unilateralismo
Em discurso na África do Sul, presidente critica efeitos do neoliberalismo e declara que a desigualdade deve ser tratada como emergência global
247 – O presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou neste sábado 22, em Joanesburgo, que o mundo vive “um fluxo de capital negativo” que aprofunda desigualdades e ameaça a estabilidade global. As declarações foram feitas durante a primeira sessão da Cúpula de Líderes do G20, na África do Sul.
Lula abriu sua fala destacando a importância histórica da primeira cúpula do G20 em solo africano. Ele agradeceu ao presidente Cyril Ramaphosa pela acolhida e celebrou a entrada definitiva da União Africana no grupo, após sua estreia no Rio de Janeiro, em 2024.
Ao lembrar que participou da primeira reunião de líderes do G20, convocada por George Bush em 2008, o presidente fez um duro diagnóstico das políticas que marcaram a crise financeira daquele período.
Segundo Lula, o encontro de Washington ocorreu para enfrentar “as consequências nefastas do neoliberalismo: a desregulamentação dos mercados financeiros, os paraísos fiscais, a falta de transparência, os salários exorbitantes de banqueiros e a urgência em reformar as instituições de Bretton Woods”.
Ele afirmou que, apesar de intervenções que evitaram um colapso global, “a resposta oferecida pela comunidade internacional foi incompleta e produziu efeitos colaterais que perduram até hoje”.
Lula criticou ainda o avanço de políticas de austeridade, apontando que elas “aprofundaram desigualdades e ampliaram tensões geopolíticas”.
Alerta sobre protecionismo, unilateralismo e risco ao próprio G20
O presidente destacou que o ressurgimento do unilateralismo e de práticas protecionistas está agravando os problemas globais.
Para Lula, tais movimentos representam “respostas fáceis e falaciosas” à complexidade do cenário internacional e ameaçam o funcionamento do próprio G20 enquanto fórum de diálogo.
“Se não formos capazes de encontrar caminhos dentro do G20, não será possível fazê-lo em um mundo conflagrado”, advertiu.
Ucrânia, Gaza e Sudão: impactos das guerras sobre energia, alimentos e segurança humanitária
Lula mencionou diretamente os conflitos na Ucrânia e em Gaza, destacando que, além das “trágicas consequências humanas e materiais”, estes confrontos provocam graves impactos sobre a segurança energética e alimentar.
Ele citou ainda a crise humanitária no Sudão, que classificou como “a maior dos últimos anos”, e afirmou não haver perspectiva de solução.
O presidente ressaltou que os desafios sociais e econômicos da América Latina e do Caribe não serão superados com ameaças de uso da força, reforçando a defesa brasileira por soluções pacíficas e cooperativas.
“A desigualdade é um risco sistêmico”: Lula propõe taxação de super-ricos e painel global
Em um dos pontos centrais de sua fala, Lula alertou que 90% da população mundial vive em países marcados por “alta disparidade de renda”.
Ele defendeu que o G20 promova mecanismos inovadores de troca de dívida por desenvolvimento e ação climática, além de avaliar medidas de tributação internacional e taxação dos super-ricos.
Para o presidente, “está na hora de declarar a desigualdade uma emergência global e redesenhar regras e instituições que sustentam assimetrias”.
Lula reforçou o apoio brasileiro à proposta sul-africana de criação de um Painel Independente sobre Desigualdade, inspirado no Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC).
Segundo ele, a iniciativa é fundamental para recolocar nos trilhos os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS).
Dívida dos países do Sul Global: “eticamente inaceitável e economicamente insustentável”
O presidente dedicou parte expressiva do discurso à questão da dívida externa dos países em desenvolvimento.
Ele afirmou que quase metade da população mundial vive em nações que gastam mais com o serviço da dívida do que com saúde ou educação.
Lula destacou que o custo anual do pagamento da dívida já chega a US$ 1,4 trilhão, superando o valor mobilizado pelo Plano de Ação Baku–Belém para financiar ações climáticas.
Segundo Lula, “a conta é simples”: existe atualmente um fluxo de capital negativo, no qual recursos do Sul Global migram para países ricos do Norte.
Armas, ajuda internacional e prioridades invertidas
O presidente também chamou atenção para o desequilíbrio entre gastos militares e investimentos em desenvolvimento humano.
Ele destacou que, no último ano, a economia mundial cresceu mais de 3%, mas:
- os gastos com armamentos aumentaram 9,4%;
- a Ajuda Oficial ao Desenvolvimento caiu 7%.
Sem financiamento adequado, alertou Lula, a Agenda 2030 corre risco de se transformar “apenas em uma declaração de boas intenções”.
Ubuntu, Mandela e Tutu: cooperação como saída para um mundo conflagrado
Ao encerrar sua fala, Lula fez referência à filosofia africana de Ubuntu, que orientou os processos de reconciliação pós-Apartheid liderados por Nelson Mandela e Desmond Tutu.
Ele destacou o simbolismo de realizar a Cúpula do G20 em solo sul-africano e afirmou que nenhuma nação prospera isoladamente.
“As soluções que buscamos estão ao redor desta mesa”, concluiu o presidente.



