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Fachin aposta em pressão externa para convencer ministros sobre código de ética

Presidente do STF defende transparência inspirada no modelo alemão para fortalecer a reputação institucional

Edson Fachin (Foto: Rosinei Coutinho/SCO/STF)

247 - O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Edson Fachin, tem concentrado esforços em estimular um debate público mais amplo sobre transparência como estratégia para superar resistências internas e viabilizar a aprovação de um código de ética para a corte. A avaliação de interlocutores é que a pressão externa, baseada em valores como prestação de contas e integridade, pode criar um ambiente mais favorável à adoção de regras comuns de conduta entre os ministros, de acordo com a Folha de São Paulo.

Fachin vem defendendo que o modelo a ser adotado pelo STF se inspire no código de conduta vigente na Alemanha, que prioriza a transparência em vez de um conjunto rígido de proibições. A escolha não é casual: normas focadas na divulgação de informações tendem a gerar menos oposição pública entre os próprios ministros do que regras de caráter restritivo.

A avaliação de pessoas próximas às discussões é que um código baseado nesse enfoque dificulta críticas abertas por parte de integrantes do tribunal. Como resumiu um membro de uma corte superior, nenhum ministro se colocaria publicamente contra a divulgação de valores recebidos por palestras ou da origem de recursos que financiaram viagens internacionais. O argumento ganha força porque o próprio STF tem cobrado, de forma recorrente, mais transparência do Congresso Nacional — especialmente no uso de emendas parlamentares —, do Executivo e do setor privado.

Apesar disso, a proposta não é consensual dentro do Supremo. Em conversas reservadas, alguns ministros demonstraram incômodo com a iniciativa, vista como uma exposição desnecessária da corte em um momento de tensão entre o Judiciário e o Legislativo. Há receio de que a adoção de um código de conduta alimente reações políticas contrárias ao tribunal.

Paralelamente às articulações internas no STF, Fachin tenta avançar com o debate no Conselho Nacional de Justiça (CNJ), órgão responsável pela fiscalização da magistratura em todo o país, com exceção dos ministros do Supremo. A estratégia busca ampliar a discussão institucional sobre ética e integridade no Judiciário, ainda que o STF não esteja formalmente subordinado ao conselho.

A ideia de criar um código de ética para o Supremo acompanha Fachin desde o início de sua gestão na presidência da corte, iniciada no fim de setembro. Antes mesmo de assumir o comando do tribunal, o ministro já discutia o tema com acadêmicos do direito. A proposta, que ainda está em fase de elaboração e não foi formalizada, prevê a adaptação de regras do modelo alemão à realidade brasileira.

Entre os pontos centrais do código alemão está a permissão para que juízes recebam remuneração por palestras e participação em eventos, desde que essas atividades não comprometam a reputação do tribunal nem gerem dúvidas sobre sua atuação. Os valores, nesse caso, devem ser tornados públicos. O texto também estabelece que magistrados mantenham postura moderada mesmo após deixarem o cargo e limita o envolvimento em temas jurídicos que tenham sido objeto de julgamento na corte.

Interlocutores de Fachin citam como base para a proposta um estudo divulgado em outubro pela Fundação FHC, que aponta a necessidade de fortalecer a reputação pública dos magistrados. Nos últimos meses, o presidente do STF manteve conversas com conselheiros da fundação, como o professor de direito constitucional da FGV Oscar Vilhena e o professor emérito de relações internacionais da USP Celso Lafer, aos quais pediu atenção especial ao tema.

A decisão de não dar publicidade imediata à proposta foi estratégica. Fachin avaliou que a divulgação precoce poderia precipitar um debate em um contexto desfavorável, avaliação que foi compartilhada com os próprios autores do estudo. O documento apresenta sugestões para reforçar a imagem institucional do STF, incluindo a criação de um código de conduta com cláusulas voltadas à imparcialidade, integridade e honestidade dos ministros.

O texto também aborda regras para manifestações públicas, participação em eventos e a ampliação do período de quarentena para magistrados que deixam o tribunal antes de atuar em causas relacionadas à corte. Além disso, propõe critérios mais claros para casos de suspeição e impedimento, situações em que ministros se afastam de julgamentos por potencial conflito de interesses.

Nesse ponto, o estudo defende que os integrantes do STF adotem uma postura mais rigorosa diante de dúvidas sobre sua imparcialidade. A recomendação é “declarar-se suspeito sempre que houver uma dúvida pública legítima a respeito de sua imparcialidade, exceto nas excepcionais situações em que se constatasse uma tentativa de manipulação da jurisdição do tribunal, a ser analisada pelo colegiado”.

Outro trecho do documento sustenta que uma atuação mais coesa da corte pode proteger seus membros individualmente. “Se os membros do tribunal fossem vistos como parte de um todo, o manto da institucionalidade os tornaria mais protegidos de ataques direcionados a cada um deles, e o ônus de decisões politicamente custosas seria diluído entre todos os membros da instituição”, afirma o estudo. Em seguida, conclui: “O fortalecimento da reputação pública do STF permitirá que ele exerça suas funções, que são centrais à preservação da Constituição Federal, do Estado de Direito e dos princípios democráticos”.

O debate sobre um código de ética ganhou maior visibilidade após a viagem do ministro Dias Toffoli a Lima, no Peru, durante a final da Taça Libertadores, em um jato particular ao lado de um advogado envolvido no caso Master, que está sob sua supervisão. Episódios desse tipo ampliaram questionamentos sobre a conduta de ministros fora do ambiente formal de julgamento.

Eventos nacionais e internacionais também têm sido alvo frequente de críticas, tanto pelo financiamento quanto pela presença de magistrados ao lado de políticos, empresários e pessoas com interesses potenciais em processos no STF. Um exemplo recorrente é o Fórum de Lisboa, apelidado de “Gilmarpalooza” por ser organizado pelo ministro Gilmar Mendes. Neste ano, encontros semelhantes reuniram integrantes do Judiciário e de órgãos federais em Madri, em evento da OAB, e em Roma.

Além da discussão sobre o código de ética, Fachin instituiu no CNJ um observatório de integridade e transparência do Poder Judiciário, que realizou sua primeira reunião em novembro. O grupo foi dividido em frentes de trabalho que reúnem membros do conselho, da academia e de tribunais, com o objetivo de elaborar propostas sobre temas como transparência da remuneração da magistratura, lobby, conflitos de interesse e sistemas de integridade e governança no Judiciário.

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