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Quem está por trás da máquina de cortes de Tarcísio

Jovem empresário que opera a ClipfyAI cria rede automatizada de vídeos e mobiliza exército de perfis para fortalecer a extrema-direita

Tarcísio de Freitas (Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)

247 - O crescimento da presença digital de Tarcísio de Freitas (Republicanos) nas redes sociais tem um operador pouco conhecido do grande público, mas central na engrenagem de vídeos curtos que o favorecem. Trata-se de Daniel Camargo Antunes, jovem empresário e fundador da ClipfyAI, plataforma que promete inundar timelines com cortes em série, automatizando perfis e publicações em larga escala para candidatos e influenciadores alinhados à extrema direita digital.

De acordo com reportagem da Fórum, é essa tecnologia que está por trás do “campeonato de cortes” pró-Tarcísio, com prêmio de R$ 50 mil, hospedado dentro da ClipfyAI. A ferramenta se apresenta como capaz de criar dezenas de perfis automáticos para um único cliente e foi utilizada para coordenar um grupo de 72 produtores de conteúdo que atuaram em favor do governador paulista. Procurada pela Fórum, a ClipfyAI não respondeu aos questionamentos até a publicação da matéria.

Quem é o empresário por trás da ClipfyAI

Nas redes, Daniel Antunes cultiva a imagem de um jovem de pouco mais de 20 anos que teria descoberto a “fórmula” para viralizar. Em seus conteúdos, ele fala diretamente à audiência identificada com a nova extrema direita brasileira, combina jargões de marketing digital com discurso político radicalizado e, diante das câmeras, ataca eleitores de esquerda enquanto exalta figuras como Pablo Marçal.

Em um dos vídeos citados pela Fórum, Antunes aparece sobre imagens de um ato de rua com uma legenda em vermelho que sintetiza sua visão sobre militância: “como usar a manada de militante para alguma coisa”. A formulação explicita o tratamento que ele dá à participação política: militantes não são sujeitos, mas um rebanho a ser conduzido por quem domina os algoritmos e as dinâmicas de engajamento nas plataformas digitais.

Esse desprezo pela organização popular se repete em outras falas. Em conteúdo dirigido a seus seguidores, o fundador da Clipfy comenta a votação de Guilherme Boulos (Psol) e admite que o desempenho do deputado federal é motivo de inquietação. Ele afirma que a quantidade de votos em Boulos o “preocupa demais” e acrescenta que, se o candidato representa o que as pessoas acreditam, “isso me preocupa”. Na sequência, ataca diretamente os eleitores do psolista ao dizer que quem vota em Boulos “se contenta com pouco” e que, “dessa forma, nunca vai sair de onde está”. As falas não entram no mérito de propostas, mas associam a escolha pela esquerda à falta de ambição pessoal.

Após a plataforma ClipfyAI ser identificada pela Fórum como base do campeonato de cortes pró-Tarcísio, esse vídeo foi apagado das redes de Antunes, registra a reportagem.

Admiração por Pablo Marçal e influenciadores de direita

No mesmo conjunto de vídeos analisados pela Fórum, Daniel Antunes deixa claro quem são suas referências políticas e comerciais. Ele usa Pablo Marçal como exemplo de candidatura que teria se aproximado de uma vitória sem padrinho político, sem tempo de TV e sem recursos públicos. Em sua avaliação, Marçal teria sido uma prova de que uma campanha baseada em forte presença digital poderia superar estruturas partidárias tradicionais, e declara ter “certeza que ele tinha chance de ganhar”.

A narrativa se alinha ao discurso da nova direita que se apresenta como outsider, despreza partidos e estruturas clássicas e classifica candidaturas progressistas como sintoma de um país acomodado. Ao mesmo tempo, o elogio serve como vitrine do próprio produto que vende: Marçal, o influenciador Raiam e outros nomes citados por Antunes aparecem como cases de sucesso de uma estratégia que, segundo ele, a Clipfy é capaz de replicar para qualquer cliente disposto a pagar pelo serviço.

Modelo de negócios: bombardear o eleitor com vídeos curtos

Em outro vídeo, o empresário detalha com franqueza a lógica de seu negócio. Ele afirma que há “partido político gastando uma grana preta por mês” com equipes de cortadores de vídeo encarregadas de “bombardear as pessoas com conteúdo 24 horas por dia”. Na sua visão, o poder de persuasão não está mais nas telas de TV, mas na capacidade de aparecer “centenas de vezes” na tela do celular do eleitor, até que o rosto do candidato se torne familiar e gere identificação pelo simples efeito de repetição.

Esse conteúdo também foi removido posteriormente das redes, mas já havia sido baixado pela Fórum antes da exclusão. Em um terceiro vídeo citado pela reportagem, Antunes explica que a distribuição massiva de cortes tem como objetivo gerar “awareness” e “branding”, isto é, tornar alguém conhecido e reconhecível. É essa estratégia, afirma, que teria alavancado a popularidade de personagens como Pablo Marçal e Raiam, abrindo caminho para audiências milionárias.

Na sequência, ele apresenta o pitch da ClipfyAI. A plataforma, diz Antunes, seria capaz de realizar o trabalho de “100 clipadores”, criando de 10 a 100 perfis de cortes para uma mesma pessoa, editando um vídeo em “100 formatos diferentes” e publicando automaticamente em diversas contas. Ao usuário, bastaria enviar um único vídeo para o sistema: a ferramenta se encarregaria de multiplicar o conteúdo, gerenciar múltiplos perfis e concentrar as métricas em um painel de controle. Na prática, é uma fábrica de presença digital que transforma investimento financeiro em aparições constantes, sem transparência para quem consome os vídeos nas timelines.

Da neutralidade de marketing à máquina pró-Tarcísio

Enquanto vende esse tipo de solução, Daniel Antunes circula com desenvoltura em eventos de tecnologia e da chamada “creator economy”. A ClipfyAI é anunciada como patrocinadora oficial do CEEX 2025, feira dedicada à economia dos criadores de conteúdo, e o empresário surge como palestrante em encontros sobre inteligência artificial aplicada a negócios, entre eles o Amazon IA Summit 2025. Nesses palcos, a plataforma é apresentada como ferramenta neutra, voltada a empresas e influenciadores interessados em otimizar sua presença nas redes.

A investigação da Fórum, porém, revela uma face específica dessa tecnologia. Foi a ClipfyAI que hospedou o campeonato de cortes dedicado exclusivamente a Tarcísio de Freitas, mobilizando 72 contas para impulsionar a imagem do governador e oferecendo um prêmio de 50 mil reais aos participantes, como detalhado na reportagem sobre o cancelamento da competição. O mesmo mecanismo capaz de servir corporações e influenciadores é ajustado, nesse caso, para projetar um único ator político nas redes sociais.

O operador de uma máquina da extrema direita digital

A combinação entre discurso e prática traça o perfil de Daniel Camargo Antunes. Em público, ele despreza eleitores de esquerda, trata militantes como “manada”, exalta lideranças de direita apresentadas como radicais e capazes de promover a 'verdadeira mudança' e oferece, simultaneamente, uma plataforma desenhada para inundar as redes com a imagem desses personagens.

Longe de ser apenas um entusiasta da tecnologia, o fundador da ClipfyAI se coloca como operador de uma máquina que une automação, estratégia de cortes e visão política. Num contexto em que o campeonato pró-Tarcísio organizado na plataforma já é alvo de questionamentos e pode resultar em apuração do Ministério Público Eleitoral, conhecer quem controla essa infraestrutura ajuda a compreender como a nova extrema direita brasileira se organiza para disputar, nos bastidores dos algoritmos, os rumos da democracia.

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