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Página12: 'Argentina vive seu momento de maior subordinação aos EUA'

Jornal critica novo acordo comercial e alerta para perda de autonomia econômica diante de Washington

Donald Trump recebe Javier Milei na Casa Branca (Foto: REUTERS/Jonathan Ernst)

247 - A avaliação publicada pelo Página12 nesta sexta-feira (14) sobre o avanço do novo Marco de Comércio Recíproco e Investimento entre Argentina e Estados Unidos retrata um cenário de crescente dependência de Buenos Aires em relação a Washington. Para o jornal, 'Argentina vive seu momento de maior subordinação aos EUA', diante do alcance e da profundidade das concessões feitas pelo governo de Javier Milei.

O Página12 destaca que o anúncio do entendimento foi feito unilateralmente pelo governo norte-americano, enquanto o chanceler argentino, Pablo Quirno, se reunia em Washington com o secretário de Estado Marco Rubio. A nota oficial divulgada pelos Estados Unidos descreveu o pacto como um instrumento para “fortalecer e equilibrar” a relação econômica entre os dois países — caracterização que, segundo o diário argentino, contrasta com o conteúdo do acordo, amplamente favorável aos interesses de Washington.

O presidente Javier Milei celebrou o avanço das negociações com a administração do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. Em um evento conservador realizado em Corrientes, afirmou em tom irônico: “Parece que as viagens estiveram rendendo um pouquinho, não?”. Para Milei, a negociação inaugura “um novo século de ouro” para a Argentina, baseado nos setores de mineração, energia e alimentos, além de embasar um conjunto de reformas trabalhistas, tributárias e penais que ele define como as mais profundas “da história argentina”.

A Casa Branca confirmou o andamento do acordo por meio de um comunicado oficial no qual declarou que “o presidente Donald Trump e o presidente Javier Milei reafirmam a aliança estratégica entre Estados Unidos e Argentina, baseada em valores democráticos compartilhados e em uma visão comum de livre empresa, iniciativa privada e mercados abertos”. A mensagem foi divulgada poucas horas após o primeiro anúncio de Washington.

O chanceler Pablo Quirno também comemorou o avanço, afirmando nas redes sociais que o entendimento “marca o início de uma etapa superior na relação bilateral”. Porém, como assinala o Página12, evitou detalhar os custos internos e o impacto potencial sobre cadeias produtivas já fragilizadas pelo cenário de competição internacional.

Abertura desequilibrada

O eixo central do acordo é a abertura recíproca dos mercados. A Argentina concederá extensas preferências tarifárias a exportações norte-americanas de alto valor agregado — como medicamentos, dispositivos médicos, veículos, equipamentos tecnológicos e maquinário industrial. Em contrapartida, os Estados Unidos eliminarão tarifas sobre “certos recursos naturais não disponíveis” em seu território e alguns medicamentos sem patente.

O Página12 aponta que a assimetria é nítida: enquanto Buenos Aires abre setores onde competem indústrias altamente sofisticadas e subsidiadas, Washington oferece concessões que não afetam sua estrutura produtiva. Além disso, a menção à possível consideração do acordo em medidas vinculares à Seção 232 — usadas para restringir importações por motivos de segurança nacional — tem caráter mais político do que econômico.

Outro ponto sensível é a derrubada de barreiras não tarifárias. A Argentina se compromete a eliminar licenças de importação, formalidades consulares e, gradualmente, a taxa estatística para produtos norte-americanos. Também aceitará que esses bens ingressem com base em padrões dos Estados Unidos ou normas internacionais, sem exigências adicionais. Para o jornal, isso implica renúncia significativa de autonomia regulatória em áreas estratégicas como segurança automotiva, dispositivos médicos e fármacos.

Pressões sobre propriedade intelectual e impacto no agro

Seguindo demandas históricas de Washington, a Argentina revisará critérios de patentabilidade, acelerará processos de concessão de patentes, ajustará regras de indicações geográficas e fortalecerá o combate à pirataria, inclusive em meios digitais — pontos criticados pelo Página12, que vê avanço direto da agenda regulatória norte-americana sobre o país.

No setor agropecuário, o acordo prevê a entrada de gado vivo dos Estados Unidos, a liberação de carne de aves em até um ano, o fim de restrições ao uso de termos queijeiros e a simplificação de trâmites para carne bovina, suína, menudências e lácteos. O jornal alerta que essas medidas podem reduzir drasticamente a competitividade de pequenas e médias indústrias alimentares argentinas, pressionadas por uma cadeia agroindustrial norte-americana marcada por alto nível de subsídios e tecnologia.

Minerais estratégicos, normas ambientais, trabalho e dados

A Argentina também ratificou obrigações trabalhistas internacionais e adotará proibição à importação de bens produzidos com trabalho forçado. Em matéria ambiental, comprometeu-se a combater a extração ilegal de madeira e aplicar integralmente o acordo da OMC sobre subsídios à pesca.

Outro ponto crucial é a cooperação em minerais críticos — como lítio e cobre — considerados estratégicos para a segurança energética dos Estados Unidos. Para o Página12, isso coloca sob supervisão externa um dos setores nos quais a Argentina possui maior relevância global.

No campo digital, Buenos Aires reconhecerá os Estados Unidos como jurisdição adequada para transferência de dados pessoais e aceitará assinaturas eletrônicas validadas por legislação norte-americana. A medida, segundo o jornal, amplia a influência de Washington sobre fluxos de informação sensível e pode gerar choques com normas mais rigorosas, como as europeias.

Consequências estruturais

Embora o governo argentino apresente o acordo como marco histórico, o Página12 sustenta que os principais benefícios imediatos recaem sobre a economia norte-americana: maior acesso a setores industriais e tecnológicos argentinos, ampliação de influência regulatória, abertura reforçada do mercado de alimentos e posição dominante em cadeias estratégicas de valor.

Para a Argentina, possíveis vantagens — como previsibilidade jurídica e eventual atração de investimentos — dependerão da implementação futura das medidas. Segundo o jornal, o risco é que o país aprofunde uma dependência política e econômica que já se manifesta, de forma explícita, no diagnóstico que marcou a capa desta sexta-feira: “Argentina vive seu momento de maior subordinação aos EUA”.

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