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Alimentação saudável em foco: especialistas debatem influência das corporações no Brasil

Encontro em Brasília reúne Marion Nestle e autoridades para discutir impacto das multinacionais e fortalecer políticas públicas de segurança alimentar

Marion Nestle (Foto: Clarita Rickli/MDS)

247 - A professora Marion Nestle, referência internacional em nutrição e crítica da influência da indústria alimentícia, participou de uma roda de conversa em Brasília que abordou os desafios impostos pelos ultraprocessados ao direito humano à alimentação adequada. O encontro, promovido pelo Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS), reuniu especialistas e gestores públicos para discutir caminhos que garantam avanços na promoção da alimentação saudável no país.

A atividade foi realizada em parceria com o portal O Joio e o Trigo e com a ACT Promoção da Saúde. A presença da professora emérita da Universidade de Nova York marcou o debate, que trouxe reflexões sobre o poder das grandes corporações na definição dos hábitos alimentares e nas políticas de saúde.

Logo na abertura, Marion Nestle apresentou um panorama preocupante sobre o cenário norte-americano. Segundo ela, o lobby da indústria de ultraprocessados tem pressionado para impedir medidas governamentais que busquem regular o setor. “As corporações só estão fazendo o trabalho delas, que é vender seu produto – os ultraprocessados – e garantir um lucro cada vez maior para seus acionistas. Cabe a nós, como sociedade, trabalhar para que as políticas públicas deem conta de educar cada vez mais as pessoas sobre os riscos reais do consumo desse tipo de produto”, afirmou.

A pesquisadora destacou que escolhas alimentares são influenciadas por estratégias de marketing e conflitos de interesse que também atravessam pesquisas científicas e decisões políticas. Para ela, alimento e alimentação são temas essencialmente políticos, exigindo decisões de gestores e ações que atuem diretamente sobre o ambiente e os sistemas alimentares.

Marion relatou ainda sua passagem por Manaus, onde conheceu iniciativas de promoção da alimentação saudável em escolas públicas. A experiência reforçou, segundo ela, o papel das instituições de ensino na formação de hábitos. “Levar alimentos saudáveis para dentro da escola é reforçar para as crianças exemplos do que é comida de verdade. Quando a indústria introduz os ultraprocessados na merenda escolar, ela quer fazer com que o consumo desses produtos faça parte dos hábitos de consumo diário das crianças, passando inclusive por cima da autoridade dos pais sobre esse assunto”, destacou.

A secretária nacional de Segurança Alimentar e Nutricional do MDS, Lilian Rahal, apresentou o conjunto de medidas que vêm sendo implementadas pelo governo brasileiro. Entre elas, citou o decreto que estabelece diretrizes para alimentação saudável nas escolas e o que institui a nova Cesta Básica de Alimentos, priorizando alimentos in natura, minimamente processados, processados e produtos da sociobiodiversidade, excluindo os ultraprocessados.

Lilian também mencionou a Estratégia Alimenta Cidades, direcionada ao enfrentamento da insegurança alimentar e da má alimentação em áreas urbanas. A iniciativa se apoia em estudos sobre “pântanos” e “desertos alimentares”, regiões com abundância de ultraprocessados e baixa oferta de alimentos saudáveis. O trabalho, conduzido pelo MDS em parceria com grandes municípios, busca construir rotas para políticas públicas que fortaleçam a segurança alimentar e nutricional.

Outro destaque foi o Marco de Referência para Sistemas Alimentares e Clima para Políticas Públicas, além do recém-aprovado Plano Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, considerado uma ferramenta essencial na consolidação de políticas de Estado voltadas à alimentação adequada. Segundo a secretária, sair novamente do Mapa da Fome foi uma conquista importante, mas impõe a responsabilidade de evitar retrocessos e ampliar o acesso a alimentos saudáveis.

A presidente do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), Elizabetta Recine, reforçou a importância da atuação conjunta entre governo e sociedade civil no enfrentamento aos desafios atuais. “Todo momento histórico é desafiador, mas a captura de agendas como a da alimentação saudável e das mudanças climáticas traz um enorme desafio para que a gente pactue um processo de enfrentamento ao que está sendo posto, sem precedentes”, afirmou.

O encontro reforçou a necessidade de fortalecer políticas públicas que enfrentem diretamente os determinantes comerciais da alimentação e garantam que alimentos de qualidade cheguem a toda a população. A iniciativa do MDS contribuiu para ampliar o debate nacional sobre segurança alimentar em um contexto global marcado pela expansão dos ultraprocessados e pela crescente influência das corporações no comportamento alimentar.

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