Programa incentiva a geração de renda de moradores locais e a conservação no litoral paranaense
Histórias como a de João Maria, ex-caçador e hoje protetor da natureza, ganham cada vez mais destaque na conservação ambiental e proteção animal
247 - O Programa Biodiversidade Litoral do Paraná (BLP) incentiva projetos que contratam moradores locais e promovem a conservação da natureza e a proteção da fauna, apoiando iniciativas e instituições voltadas à preservação ambiental e à geração de renda nas comunidades. Um exemplo desse impacto é a história de João Maria dos Santos, que durante anos viveu da caça e do trabalho pesado nas antigas fazendas de búfalo da região litorânea do Paraná. Sem acesso à oportunidades formais de emprego, João via a natureza apenas como um meio de sobrevivência. “Eu era um caçador, só matava para o consumo. Hoje o pessoal caça para vender, e isso vai acabar com todos os animais”, conta.
A transformação de João começou há 25 anos, quando ele foi contratado pela Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e Educação Ambiental (SPVS) para atuar nas áreas adquiridas pela organização para conservação da Mata Atlântica. O que antes eram pastagens degradadas se tornaram reservas naturais, e o homem que caçava passou a ser um dos principais protetores da floresta. “Antes de trabalhar na ONG eu não tinha conhecimento de como funcionava. Derrubava árvores, matava bichos. Hoje eu gosto de ver e fotografar os animais. Sou guia de pesquisa e de aves. Tive uma mudança de consciência". Com experiência no trabalho de campo, ele ajuda a identificar armadilhas e a reduzir os perigos para a fauna local.
Geração de renda
O trabalho desenvolvido na região litorânea pela SPVS trouxe avanços para a comunidade local, marcada pela informalidade e pela escassez de empregos formais com benefícios. “A gente costuma dizer que, enquanto a floresta crescia, cresciam também as oportunidades. A qualidade de vida melhorou muito, e foi um ganho social e econômico gigantesco para a região”, destaca Reginaldo Antunes Ferreira, coordenador de projetos da SPVS.
As transformações relatadas por João Maria e Reginaldo não aconteceram de forma imediata. Segundo o coordenador, o início desse processo exigiu tempo e diálogo com a comunidade. “No início foi um processo delicado. Nós precisamos conversar e fazer muitas oficinas e dinâmicas para que os comunitários compreendessem a importância desse trabalho. Alguns deles nem sabiam ler ou escrever, mas contratamos uma professora particular para dar aula. Eles trabalhavam durante o dia e estudavam à noite. Alguns chegaram até o superior, para você ter uma ideia da riqueza que foi o processo”, relembra.
Hoje, as reservas mantidas pela SPVS empregam cerca de 40 pessoas da própria comunidade. E o impacto vai além das fronteiras das reservas da SPVS. O manejo sustentável e o fortalecimento da agricultura familiar têm ganhado força com o projeto Paisagens Multifuncionais da Grande Reserva Mata Atlântica, financiado pelo BLP e executado pela organização, que é desenvolvido em parceria com a Associação de Pequenos Produtores Rurais e Artesanais de Antonina (ASPRAN), e já beneficia cerca de 60 famílias através do fortalecimento da associação.
“Uma das linhas temáticas do programa é o uso sustentável dos recursos por meio do fortalecimento das cadeias produtivas sustentáveis. Neste sentido, a ideia é fortalecer a relação entre as pessoas e a natureza ao incentivar projetos que geram renda, de forma a promover a economia local sem abrir mão da conservação da biodiversidade”, comenta André Pereira Cattani, diretor executivo da Associação MarBrasil, que já integrou o Conselho do Biodiversidade Litoral do Paraná.
Turismo de natureza e educação ambiental
Outra organização parceira que tem projetos incentivados pelo BLP também segue esse caminho. O Mater Natura – Instituto de Estudos Ambientais, por exemplo, coordena o projeto Reservas Particulares do Lagamar Paranaense I e II, que apoia proprietários rurais na criação e manutenção de Reservas Particulares do Patrimônio Natural (RPPNs). As iniciativas reforçam a conservação da Mata Atlântica e estimulam novas oportunidades de trabalho, especialmente nas áreas de turismo de natureza, pesquisa e educação ambiental. Os projetos ampliam a proteção dessas áreas contra pressões como caça, extração vegetal e descarte irregular de resíduos, além de fortalecer as ações de conservação e manejo já em andamento nas reservas.
Segundo Anne, os projetos de restauração ecológica dentro destas RPPNs e em outras Unidades de Conservação, também têm um grande potencial de geração de renda e emprego, pois envolvem diversas etapas, desde a produção de mudas até o plantio em campo e a manutenção das áreas.
“Os projetos de restauração ecológica têm esse grande potencial de contratação, porque envolvem uma cadeia produtiva grande da restauração, desde a parte da produção das mudas até o final, que é o plantio delas em campo e depois as roçadas de manejo para manutenção dessas áreas”, comenta.
A partir dessa demanda, a equipe do Mater Natura passou a capacitar comunidades locais para atuar como viveiristas e fornecer mudas aos projetos locais. Além da restauração, a atuação das comunidades vai além do trabalho pontual. “Foi interessante também que, por exemplo, uma pessoa que trabalhou com eles no projeto foi indicada para outros trabalhos de pesquisa locais. Eles acabaram acompanhando outras empresas de consultoria ambiental”, conta Anne.
Os moradores do entorno das RPPNs apoiam as iniciativas de restauração florestal, monitoramento e proteção das unidades de conservação, especialmente no manejo das trilhas, na delimitação das áreas e na instalação de sinalização nos limites das reservas. “Eles entendem a importância de inserir a sinalização e demais iniciativas, como a restauração florestal. Às vezes, as pessoas não compreendem de imediato o impacto de plantar árvores na floresta, mas com o tempo, percebem o valor disso”, explica a bióloga.
Para Anne, um dos pontos fortes do trabalho é a continuidade das ações e o fortalecimento dos vínculos locais. “Um projeto vai levando ao outro. A gente começou com o da restauração, depois veio a capacitação para produção de mudas e na produção de mudas pela própria comunidade e na inserção deles nas ações de conservação. Sempre um projeto vai dando continuidade às ações. Vai expandindo, conectando essas pessoas com outras e com novos projetos”, relata.
Sobre o Programa Biodiversidade Litoral do Paraná
Criado em 2021, o programa Biodiversidade Litoral do Paraná promove a conservação, a pesquisa e o uso responsável dos recursos naturais, fortalecendo Unidades de Conservação e impulsionando o desenvolvimento sustentável do litoral paranaense. Financiado pelo Termo de Acordo Judicial (TAJ) firmado após o vazamento de óleo ocorrido em 2001, o Programa transformou um passivo ambiental em investimento histórico em conservação: serão mais de R$ 110 milhões destinados a iniciativas estratégicas ao longo de dez anos.
A governança do programa é compartilhada entre organizações da sociedade civil, instituições de ensino superior e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), supervisionados pelo Ministério Público Federal e pelo Ministério Público do Paraná. A gestão financeira e operacional do Programa é realizada pelo Fundo Brasileiro para a Biodiversidade (FUNBIO). Para saber mais, acesse www.biodiversidadelitoralpr.com.br.



