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Canadá e Mercosul aceleram acordo de livre comércio

Negociações retomadas miram tarifa zero e ganham força após medidas protecionistas dos EUA

O primeiro-ministro canadense, Mark Carney, discursa no Victoria Edelweiss Club durante sua campanha eleitoral do Partido Liberal em Victoria, Colúmbia Britânica, Canadá, em 6 de abril de 2025 (Foto: REUTERS/Kevin Light)

247 - O Canadá e os países do Mercosul intensificaram as tratativas para concluir um acordo de livre comércio até o fim de 2026, em um cenário internacional marcado pelo recrudescimento do protecionismo e pela busca de novos parceiros comerciais fora do eixo tradicional. A movimentação ocorre após a reativação formal das negociações, interrompidas nos últimos anos, e reflete uma estratégia de diversificação diante das medidas adotadas por Washington.

As informações foram publicadas pelo Financial Times, que acompanhou as discussões e ouviu autoridades diretamente envolvidas no processo. Segundo o jornal britânico, o avanço das conversas foi impulsionado pelas tarifas impostas pelos Estados Unidos a parceiros estratégicos, incluindo Canadá e Brasil.

As negociações foram retomadas em outubro, reabrindo um diálogo iniciado em 2018 e suspenso três anos depois, em meio à pandemia de Covid-19. Naquele período, o Canadá já enfrentava tensões comerciais relevantes durante a primeira administração de Donald Trump, atual presidente dos Estados Unidos. Agora, autoridades dos dois lados indicam disposição para acelerar o cronograma e alcançar um entendimento considerado viável.

O ministro de Comércio Internacional do Canadá, Maninder Sidhu, afirmou que o governo trabalha com a meta de concluir o acordo já no próximo ano. “Junto com nossos parceiros, estamos trabalhando ativamente para concluir essas negociações no próximo ano”, disse o ministro, que esteve em Brasília em agosto. A expectativa foi confirmada por outros dois funcionários de países envolvidos nas tratativas, segundo o Financial Times.

O Mercosul é composto por Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai, com a Bolívia em processo de adesão como membro pleno. O bloco reúne alguns dos principais exportadores globais de commodities agrícolas e minerais, como soja, petróleo bruto, minério de ferro e carne bovina, produtos centrais nas pautas de exportação dos países-membros.

Entre os integrantes do Mercosul, o Brasil concentra o maior volume de comércio de bens com o Canadá, que somou US$ 12,7 bilhões em 2024. Ainda assim, esse fluxo representa apenas uma pequena parcela dos mais de US$ 760 bilhões em mercadorias negociadas anualmente entre Canadá e Estados Unidos, evidenciando a forte dependência canadense do mercado norte-americano.

De acordo com fontes com conhecimento direto das discussões, a política comercial “América Primeiro”, adotada por Donald Trump, atual presidente dos Estados Unidos, teve papel decisivo na revitalização do diálogo entre Canadá e Mercosul. Ottawa foi atingida por tarifas rigorosas em setores altamente integrados às cadeias produtivas dos EUA, como madeira serrada, aço, alumínio e a indústria automobilística.

O Brasil também sofreu impactos. Em 2025, Washington impôs uma tarifa de importação de 50% sobre produtos brasileiros, embora posteriormente tenha retirado as taxas de diversos itens alimentícios. Esse ambiente reforçou, segundo autoridades, a necessidade de ampliar acordos comerciais fora do mercado norte-americano.

A ministra da Indústria do Canadá, Mélanie Joly, afirmou ao Financial Times que o país busca novos acordos como parte de uma estratégia de diversificação. “Temos muitos desses acordos que são bons no papel, mas nossas empresas não estão necessariamente exportando para essas diferentes jurisdições, esses diferentes mercados, então precisamos fazer mais disso”, declarou.

Apesar do discurso oficial, há ceticismo entre especialistas. O advogado canadense de comércio internacional Barry Appleton avalia que a sobreposição das pautas de exportação pode dificultar um acordo amplo. “Um dos problemas é que o Mercosul e o Canadá competem para comercializar muitos dos mesmos produtos primários nos mercados globais”, afirmou. Para ele, o Canadá tem sido “muito lento” em aproveitar oportunidades relevantes na América Latina.

Segundo uma pessoa diretamente envolvida nas negociações, a proposta em discussão prevê tarifa zero para a maioria dos bens. Desde a reunião entre os principais negociadores em outubro, grupos de trabalho passaram a tratar de temas específicos, como tarifas, pequenas e médias empresas e regras antidumping. “Há uma videoconferência quase todos os dias”, disse o funcionário, sob condição de anonimato, acrescentando que novos encontros presenciais são esperados para o início de 2026.

Outro representante resumiu a abordagem adotada nas conversas: “A prioridade é conseguir algo viável rapidamente. Não precisa ser abrangente”. O avanço do diálogo com o Canadá ocorre enquanto o acordo de livre comércio entre Mercosul e União Europeia segue pendente, após novo adiamento motivado por protestos de agricultores europeus. Bruxelas informou que espera assinar esse tratado em janeiro.

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