Celso de Mello apoia Fachin e defende código de ética no Supremo
Ex-presidente do STF vê medida como urgente para reforçar transparência e credibilidade da Corte diante crescente desconfiança institucional
247 – A proposta do ministro Edson Fachin, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), de instituir um código de conduta para os ministros da Corte ganhou um reforço de peso: o ex-ministro Celso de Mello, decano histórico do Supremo e uma das vozes mais influentes da magistratura brasileira, manifestou apoio à iniciativa e defendeu que a Suprema Corte adote regras claras de comportamento ético e de transparência. Para ele, trata-se de uma medida necessária para preservar a autoridade moral do tribunal e proteger a legitimidade das decisões em um momento de desgaste institucional.
O apoio e os argumentos em defesa do código foram apresentados em artigo publicado pelo jornal Estado de S. Paulo, que sustenta que a proposta de Fachin “merece amplo apoio da cidadania” e deve ser compreendida como uma ação de Estado — moralmente necessária e institucionalmente urgente. O texto enfatiza que, em democracias sólidas, a confiança na Justiça não se sustenta apenas na integridade individual dos juízes, mas em normas objetivas que evitem qualquer aparência de favorecimento, dependência ou proximidade indevida com interesses privados e governamentais.
Crise de confiança e exemplos internacionais impulsionam debate
O artigo defende que a criação de um código de ética no STF se tornou ainda mais relevante diante do que ocorreu recentemente nos Estados Unidos, onde reportagens revelaram denúncias envolvendo membros da Suprema Corte. Segundo o texto, a imprensa norte-americana apontou que os justices Samuel Alito e Clarence Thomas aceitaram viagens, hospitalidade e benefícios oferecidos por empresários bilionários ligados a interesses políticos e econômicos, provocando forte repercussão pública, investigações jornalísticas e audiências no Congresso.
O caso mais grave, de acordo com o relato citado, teria sido o de Clarence Thomas. O artigo menciona que, por quase 20 anos, ele teria recebido viagens nacionais e internacionais, hospedagens de alto padrão, transporte em aeronaves privadas e estadias em iates, com vantagens estendidas a ele e à esposa, ofertadas por benfeitores ligados a interesses econômicos e ao Partido Republicano.
Conforme a estimativa citada pelo texto — atribuída ao Comitê Judiciário do Senado dos EUA — o valor acumulado desses benefícios teria ultrapassado US$ 4,7 milhões, e parte expressiva dessas vantagens não teria sido declarada em formulários patrimoniais, o que gerou críticas severas e a discussão sobre os limites de um sistema baseado apenas em autocontenção pessoal.
A resposta americana: avanço limitado
Em resposta às denúncias e ao desgaste, a Suprema Corte dos EUA publicou, em 2023, uma declaração sobre o Code of Conduct, afirmando que adotaria como referência o Code of Conduct for United States Judges (aplicável aos juízes federais), mas sem aprovar um código vinculante específico para os membros da própria Suprema Corte.
Ainda assim, o artigo observa que o texto de referência consagra princípios essenciais que passaram a orientar o debate público: integridade e independência do Judiciário; vedação da impropriedade e até de sua aparência; desempenho imparcial e diligente; regulação de atividades extrajudiciais; e abstenção de atividade político-partidária.
Para os defensores da mudança, a principal lição é clara: a ética judicial precisa ser explícita, escrita e aberta ao escrutínio social, e não apenas depender da conduta individual de seus integrantes.
Alemanha como modelo de rigor e prevenção
O artigo também destaca o exemplo do Tribunal Constitucional Federal da Alemanha (Bundesverfassungsgericht), que opera sob uma cultura institucional preventiva. Ali, a conduta dos magistrados é orientada por um Verhaltenskodex, código de comportamento autoimposto pela própria Corte, adotado por deliberação interna e consolidado como expressão de rigor ético.
O texto ressalta que, embora não seja um instrumento promulgado por lei formal, o conjunto de diretrizes internas possui forte autoridade simbólica e normativa, servindo como referência vinculante para a conduta funcional e extrafuncional dos juízes constitucionais.
Entre seus pilares, o Verhaltenskodex enfatiza a integridade pessoal e funcional, a independência e imparcialidade em sentido objetivo — de modo a afastar qualquer dúvida razoável sobre isenção — e a proibição não apenas da impropriedade, mas também da simples aparência dela, exigindo que o magistrado se mantenha “acima de qualquer dúvida” (über jeden Zweifel erhaben).
Além disso, impõe restrições duras ao recebimento de presentes e vantagens, admitindo apenas atenções sociais insignificantes e sem potencial de comprometer a confiança pública. Também estabelece limites estritos às atividades extrajudiciais, especialmente na participação em eventos, conferências e compromissos que possam gerar conflitos de interesse ou exposição indevida.
STF: código de conduta como proteção à independência
No caso brasileiro, a defesa de um código de ética é apresentada como uma forma de fortalecer — e não limitar — a independência do STF, ao afastar suspeitas, prevenir constrangimentos e reforçar a credibilidade institucional. Em um ambiente marcado por polarização, desinformação e descrédito, a transparência aparece como virtude indispensável para preservar a confiança democrática.
O artigo reforça que não basta ser imparcial: é necessário também parecer imparcial. A Justiça, sustenta o texto, não deve depender do prestígio individual de seus julgadores, mas da confiança pública gerada por práticas institucionais objetivas, verificáveis e compatíveis com valores republicanos.
Ao endossar a proposta de Edson Fachin, Celso de Mello se soma à visão de que o Supremo precisa sinalizar, com clareza, compromisso com padrões éticos de alto nível, capazes de blindar a Corte contra críticas e fortalecer sua autoridade moral. O debate tende a ganhar ainda mais relevância se a iniciativa avançar formalmente nos próximos meses, com potencial de inspirar reflexões no Judiciário e em outras instituições de Estado.



