Datafolha: Segurança pública supera economia e vira principal problema para 16%
Pesquisa mostra mudança na percepção social sobre violência no Brasil
247 - A segurança pública passou a ser apontada como o principal problema do país por 16% dos brasileiros, ficando atrás apenas da saúde, citada por 20% da população. O dado indica uma inversão relevante em relação a levantamentos anteriores e revela uma crescente preocupação social com a violência e o avanço do crime organizado no Brasil.
Os números constam da mais recente pesquisa do instituto Datafolha, realizada entre terça-feira (2) e quinta-feira (4). O levantamento ouviu 2.002 pessoas, de forma presencial, em 113 municípios, com nível de confiança de 95% e margem de erro de dois pontos percentuais.
Na comparação com a pesquisa anterior, feita em abril, a mudança é expressiva. Naquele momento, a economia liderava a lista de preocupações nacionais, citada por 22% dos entrevistados, enquanto a segurança aparecia com 11%. Agora, a economia caiu para o terceiro lugar, com 11%, atrás da saúde e da violência. Não se trata, porém, de um patamar inédito: em setembro de 2023, segurança e saúde já haviam empatado como o maior problema do país, ambas com 17%.
A percepção varia de acordo com o perfil dos entrevistados. Entre os homens, 18% indicam a violência como o principal problema nacional. Já entre as mulheres, a saúde lidera, com 26%. As respostas foram espontâneas, e cada entrevistado pôde mencionar apenas um tema.
Especialistas ouvidos pela reportagem associam essa mudança à sensação de aumento da violência no cotidiano. Relatos de crimes, segundo eles, tornaram-se mais frequentes em ambientes de convivência, como famílias e locais de trabalho. O debate público também se intensificou após grandes operações policiais que evidenciaram o alcance econômico e bélico de organizações criminosas.
Um dos exemplos citados é a Operação Carbono Oculto, deflagrada em agosto, em São Paulo, que investigou a infiltração do PCC (Primeiro Comando da Capital) em postos de combustíveis e fintechs. De acordo com as investigações, o esquema movimentou R$ 52 bilhões entre 2020 e 2024. A partir dela, surgiram desdobramentos como a Operação Spare, no fim de setembro, que atingiu 267 postos e revelou a atuação da facção também no setor de motéis.
Em segunda-feira (28), uma megaoperação contra o Comando Vermelho em favelas do Rio de Janeiro reforçou a percepção de poder armado dessas organizações. A ação mostrou o uso de fuzis, granadas e até drones-bomba e terminou com 122 mortes, sendo considerada a mais letal da história do país.
Esses episódios, segundo o coronel reformado da PM paulista e ex-secretário nacional de Segurança Pública José Vicente da Silva Filho, expuseram uma realidade que permanecia oculta. “Uma coisa que não vinha sendo dita: a irradiação do crime organizado pelo país”, afirmou. Para ele, “estava debaixo do tapete. De repente, você puxa o tapete e fala ‘caramba, tem o Comando Vermelho, o PCC, eles estão dominando o crime no país’. Isso acabou assustando”.
A reação institucional também ganhou força. No Congresso Nacional, a Câmara dos Deputados aprovou o projeto conhecido como lei Antifacção, que cria o Marco Legal de Combate ao Crime Organizado e institui novos tipos penais com penas que podem ultrapassar 40 anos. O relatório menciona uma “sociedade refém do medo, em que o cidadão comum vive encurralado entre o domínio de grupos infratores e a limitação operacional do Estado”. O texto foi aprovado com alterações pelo Senado e agora retorna à Câmara.
No plano federal, outra iniciativa em debate é a PEC da Segurança Pública, cuja versão mais recente prevê a realização de um referendo sobre a redução da maioridade penal. Já em âmbito local, estados e municípios investem no fortalecimento de guardas municipais e em sistemas tecnológicos. Em São Paulo, o programa Smart Sampa, defendido pelo prefeito Ricardo Nunes (MDB), utiliza reconhecimento facial para cruzar imagens de locais públicos com bancos de dados do Judiciário, com o objetivo de localizar foragidos.
Apesar do aumento da percepção de insegurança, dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública indicam que o número de mortes violentas atingiu o menor nível histórico em 2024. Em contrapartida, outros crimes avançaram. Os registros de feminicídio cresceram 0,7%, enquanto as tentativas de feminicídio aumentaram 19%. O país também registrou o maior número de estupros e estupros de vulnerável já contabilizado, com 87.545 vítimas.
“Temos queda nos índices de homicídios, por exemplo, mas não nos crimes como violências contra a mulher, sexual ou contra crianças e adolescentes, que vêm aumentando”, afirmou Renato Sérgio de Lima, professor da FGV e presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Outro fator que pesa na percepção social é a explosão dos golpes digitais. Pesquisa do Datafolha, divulgada em agosto em parceria com o Fórum, apontou que um em cada três brasileiros sofreu algum golpe financeiro digital nos 12 meses anteriores. O número corresponde a 56 milhões de pessoas e a um prejuízo estimado em R$ 111,9 bilhões. Em 2024, foram registrados 2.166.552 casos de estelionato, um aumento de 407% em relação a 2018.
Regionalmente, o Sudeste lidera como a área onde a segurança é mais citada como principal problema, com 19%. O menor percentual aparece no Sul, com 10%. Nordeste e Centro-Oeste/Norte empatam em 14%. A preocupação também cresce com a idade: entre pessoas com mais de 60 anos, 21% apontam a violência como o maior problema do país. Já entre jovens de 16 a 24 anos, a segurança aparece com apenas 5%, atrás da saúde e da economia.
No recorte político, a segurança lidera entre os que se declaram bolsonaristas, com 18%, superando a saúde. Entre petistas, a ordem se inverte: 24% citam a saúde como principal gargalo, e 17%, a violência.
Quando avaliam o desempenho do governo Lula 3, os entrevistados indicam a economia como a área de pior atuação, segundo 14%. Segurança e saúde aparecem empatadas, com 12% cada, seguidas por educação e corrupção. Para José Vicente da Silva Filho, a gestão enfrenta dificuldades evidentes nesse campo. “Estão completamente perdidos”, disse.
A educação, por outro lado, foi apontada como a área de melhor desempenho por 10% dos brasileiros, seguida pelo combate à desigualdade social, saúde e economia. Ainda assim, 28% afirmam que o governo não vai bem em nenhuma área, enquanto apenas 2% consideram que ele vai bem em todas.



