Guilherme Mello prevê queda expressiva dos juros em 2026
Secretário da Fazenda afirma que inflação caiu mais rápido que o esperado e vê espaço para corte de até três pontos na Selic
247 – A inflação no Brasil tem recuado em ritmo mais rápido do que o projetado pelo mercado e pelo próprio Banco Central, criando condições para uma redução “expressiva” da taxa básica de juros ao longo de 2026. A avaliação é do secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Guilherme Mello, em entrevista ao Valor Econômico, na qual detalha o cenário de desinflação, atividade econômica, mercado de trabalho, fiscal e perspectivas para o próximo ano.
Segundo Mello, o mercado financeiro já trabalha com a possibilidade de um corte entre 2,75 e 3 pontos percentuais na Selic, hoje em 15% ao ano. “Três pontos não é uma coisa de se desprezar”, afirmou. “Se a Selic hoje fosse 12% e não 15%, a curva de juros e a trajetória da dívida seriam outras.”
Inflação surpreende positivamente
O secretário destacou que o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) acumulado até novembro chegou a 3,92%, bem abaixo das expectativas do início do ano. “No começo do ano, o mercado previa 5,6%, mas vamos fechar abaixo de 4,5%”, disse. No acumulado de 12 meses, o indicador ficou em 4,46% em novembro, dentro do teto da meta.
Mello ressaltou que o próprio Banco Central reviu suas projeções ao longo do ano. “A inflação se comportou muito melhor do que o previsto pelo BC”, afirmou, lembrando que a autoridade monetária chegou a indicar que a convergência à meta ocorreria apenas no quarto trimestre de 2026.
Um dos principais fatores para esse desempenho foi a forte desaceleração dos preços de alimentos. “A alimentação em domicílio deve fechar o ano próximo a 2%, depois de um ano passado de forte alta”, explicou. Para ele, o risco de um novo surto inflacionário nos alimentos em 2026 não é iminente. “Hoje, não tenho esse cenário. O câmbio está bem comportado.”
Serviços e atividade econômica
Outro ponto enfatizado pelo secretário foi a melhora dos indicadores de serviços subjacentes, considerados mais sensíveis ao ciclo econômico. “A média móvel de três meses anualizada está em 3,6%, quase perto da meta”, disse. No início do ano, essa métrica rodava perto de 9%.
Segundo Mello, os dados mais recentes do PIB e as revisões do IBGE mostram uma desaceleração dos serviços maior do que a esperada, mas dentro de um processo considerado saudável. “Estamos vendo o processo que esperávamos, mas de uma maneira mais rápida e intensa, com um custo para a atividade que não foi muito maior do que o previsto”, avaliou.
A Secretaria de Política Econômica projeta crescimento do PIB em torno de 2,2% a 2,3% em 2025, desempenho semelhante ao estimado no início do ano. “Conseguimos compatibilizar uma economia dinâmica com uma inflação que converge para a meta”, afirmou.
Política monetária e mercado de trabalho
Mello avaliou que o debate sobre a eficácia da política monetária perdeu força diante dos resultados recentes. “Teve gente falando em dominância fiscal. Ninguém mais fala nada disso”, disse. Para ele, o processo de desinflação mais rápido abre espaço para o Banco Central discutir “o momento e a velocidade certa” para reduzir os juros, mantendo-os ainda em nível contracionista, mas menos restritivo.
Sobre o mercado de trabalho, o secretário reconheceu sinais de desaceleração, mas descartou um impacto negativo relevante sobre a atividade. “Não é possível manter um ritmo de expansão com a menor taxa de desemprego da história”, afirmou. “O mercado de trabalho segue como um motor de resiliência da atividade econômica.”
Medidas de crédito e Imposto de Renda
Entre os fatores que podem sustentar a economia em 2026, Mello citou mudanças no crédito habitacional, novas linhas para reformas residenciais e o novo limite de isenção do Imposto de Renda, que deve injetar R$ 28 bilhões na economia.
“Não entra como impulso fiscal, porque não piora o resultado primário, mas tem impacto do ponto de vista do multiplicador”, disse. “É mais renda para quem ganha menos, o que significa maior atividade.”
Na avaliação da Fazenda, o balanço entre fatores contracionistas, como os efeitos defasados dos juros altos, e fatores de estímulo tende a resultar em um cenário mais neutro para a atividade no próximo ano.
Agro perde fôlego, indústria e serviços ganham espaço
Mello afirmou que o agronegócio deve crescer menos em 2026, após um desempenho excepcional neste ano. “Tem o efeito base e o La Niña”, explicou. Em contrapartida, a expectativa é de maior dinamismo da indústria e dos serviços. “Isso traz uma composição melhor também para o emprego.”
Câmbio e cenário internacional
Sobre o câmbio, o secretário ressaltou que a variável é difícil de prever, mas disse ver um cenário relativamente favorável. “O principal fator está ligado ao ciclo de política monetária dos países centrais”, afirmou. A expectativa de queda de juros nos Estados Unidos, com mudanças na direção do Federal Reserve, reforça a perspectiva de um real mais valorizado.
Mello destacou ainda fundamentos domésticos positivos. “O Brasil é o segundo maior receptor de investimento estrangeiro direto no mundo, já há três anos. O saldo comercial segue muito bom”, disse, reconhecendo a possibilidade de ruídos políticos pontuais.
Fiscal e resultado estrutural
No campo fiscal, o secretário afirmou que há uma recuperação estrutural em curso. Segundo ele, ao descontar inflação e receitas extraordinárias, o resultado estrutural do governo central passou de um déficit de 1,77% do PIB em 2022 para algo próximo de zero atualmente.
“O superávit entregue pelo governo Bolsonaro é fake”, afirmou. Para 2026, a expectativa é de melhora adicional, especialmente se o Congresso aprovar medidas como a redução de benefícios tributários. “Estamos caminhando para chegar perto do déficit zero, não só do ponto de vista pontual, mas estrutural.”
Relação com os Estados Unidos e comércio exterior
Ao comentar os efeitos do tarifaço imposto pelo governo de Donald Trump, atual presidente dos Estados Unidos, Mello afirmou que as relações bilaterais melhoraram. “O presidente Lula tem conversado com o presidente Trump, as negociações têm avançado”, disse, citando reduções de tarifas para produtos brasileiros.
Segundo ele, a diversificação de mercados tem protegido o Brasil. “Os bens mais afetados pelo tarifaço tiveram aumento da exportação total”, afirmou.
Mercosul-União Europeia e agenda internacional
Mello também destacou a iminente assinatura do acordo Mercosul-União Europeia, prevista, segundo ele, para o dia 20. “Vai assinar o maior acordo de livre comércio da história”, afirmou. Para o secretário, o movimento reforça a aposta do Brasil na cooperação e na abertura, sem ignorar o aumento da concorrência global.
“O Brasil lidera uma agenda de construção de outros caminhos”, disse, citando a atuação do país em temas como mercado global de carbono e o Fundo de Florestas Tropicais. “É uma agenda plurilateral, de quem está disposto a aderir e construir institucionalidade.”



