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“EUA querem retomar o controle da América Latina na marra”, diz Altman

Breno Altman afirma que Washington reativa a doutrina Monroe, mira a Venezuela e age para derrubar governos de esquerda na região

“EUA querem retomar o controle da América Latina na marra”, diz Altman (Foto: ABR | Divulgação )

247 – Breno Altman avalia que os Estados Unidos entraram em uma nova fase de ofensiva sobre a América Latina, combinando pressão militar, guerra psicológica e alianças com governos de direita para restabelecer, “na marra”, sua hegemonia no continente. Para o jornalista, a Venezuela tornou-se o centro dessa estratégia por ter avançado mais do que outros países na construção de soberania e na redução da influência de Washington.Em entrevista ao Bom Dia 247, Altman afirmou que “os Estados Unidos buscam recuperar influência na região e o principal instrumento que os Estados Unidos utilizam para exercer pressão e para tentar recuperar influência na marra é a pressão militar”. Ele interpreta a política externa do atual presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, como uma retomada radicalizada da doutrina Monroe e dos mecanismos históricos de intervenção norte-americana.

Ao explicar essa lógica, Altman utiliza a metáfora do “porrete” e da “colher de mel” para ilustrar a combinação entre ameaça e recompensa. “É o porrete numa mão e uma colher de mel na outra. Ou seja, se você não agir conforme os interesses norte-americanos, o porrete; se você se dobra ao porrete, ele te dará uma colher de mel.” Na sua avaliação, essa estratégia visa manter governos alinhados e isolar experiências políticas que desafiam a hegemonia dos Estados Unidos.

Nesse cenário, Altman afirma que predomina hoje a guerra psicológica. “É, por hora, são instrumentos de guerra psicológica de alta intensidade”, diz. Ainda assim, ele não descarta ações militares pontuais. “Eu continuo a achar pouco provável o desencadeamento imediato de alguma operação militar de largo espectro, mas os sinais são de intensificação da guerra psicológica, especialmente em relação à Venezuela.”

Para o jornalista, “a Venezuela é o grande alvo norte-americano” porque foi “o que mais longe foi no processo de construção da soberania”. Ele explica que a influência dos Estados Unidos no país é mínima, ao contrário do que ocorre em nações como Brasil e México. Em suas palavras, “no Brasil, no México, é uma influência alta ainda, porque as elites locais são, na sua enorme maioria, pró-americanas, né?”.

Altman afirma que a Venezuela passou por uma ruptura estrutural que alterou completamente sua organização política. “Porque a Venezuela teve uma revolução política. As elites, o empresariado, a burguesia venezuelana não dirige mais o Estado. O Estado é dirigido pelas classes trabalhadoras, pelas forças populares, pela esquerda, pelo chavismo.” Segundo ele, essa transformação abrange todos os poderes e instituições. “A esquerda na Venezuela tem hegemonia [...] no Executivo, no Legislativo, no Judiciário, nas Forças Armadas, na polícia, em todos os aparatos do Estado.”

Ele lembra ainda o papel da “petrodiplomacia” venezuelana antes das sanções internacionais, destacando que o país, sob Hugo Chávez e depois Nicolás Maduro, apoiou outras nações da região na busca de maior autonomia em relação aos EUA.

Altman contextualiza esse enfrentamento a partir da doutrina Monroe, formulada em 1823 pelo presidente James Monroe. Ele recorda que o lema “América para os americanos” tinha duplo sentido: afastar potências europeias e garantir a hegemonia dos Estados Unidos sobre o restante do continente. “A América Latina era o pátio traseiro, o quintal, o backyard [...] dos próprios Estados Unidos”, afirma.

Segundo o jornalista, essa hegemonia começou a ser abalada a partir do fim dos anos 1990 por dois movimentos: a eleição de governos progressistas — inaugurada por Chávez em 1998 — e o avanço da China, que se tornou o principal parceiro comercial da maioria dos países latino-americanos.

É nesse contexto que Altman descreve a estratégia de Trump. Para ele, “é necessário derrubar ou substituir os governos de esquerda da região. Ele precisa de governos aliados em toda a América Latina [...] precisa de governos como o de Milei, não é?”. Isso significa, afirma, uma política de “desestabilização e confrontação” permanente.

Altman afirma que, em alguns países, a aposta norte-americana se dá por vias eleitorais, citando o Chile, a Colômbia e o México — mencionando as pressões sobre Gustavo Petro e Claudia Sheinbaum — além de ações voltadas para desgastar o governo Lula. Mas, no caso da Venezuela, “não existe via eleitoral”. A oposição, diz ele, está dividida e isolada, o que leva Washington a buscar alternativas externas.

Segundo Altman, Trump pode recorrer a ações militares limitadas. “Seria razoável pensar [...] em um bombardeio sobre a Venezuela na fronteira com a Colômbia [...] mais ou menos com o mesmo estilo que os Estados Unidos fez no Irã.” Ele completa: “Não é uma operação militar de amplo espectro, é uma operação militar pontual para dizer que fez. A essa altura, se o Trump não fizer nada, ele sai desmoralizado.”

Altman cita ainda pressões de Pequim. “Há muita pressão chinesa [...] que o Xi Jinping colocou sobre a mesa [...] e os assessores militares de Donald Trump dizem a ele que qualquer operação de amplo espectro é extremamente perigosa, extremamente incerta.”

Na síntese apresentada ao Bom Dia 247, Altman vê a retomada da doutrina Monroe, a intensificação da guerra psicológica, a pressão sobre governos progressistas e a ofensiva contra a Venezuela como partes de uma mesma estratégia. Trata-se, afirma, de uma política em que “os Estados Unidos buscam recuperar influência na região” e tentam “retomar o controle da América Latina na marra”, combinando pressões diplomáticas, operações psicológicas e a possibilidade sempre presente de ações militares. Assista:


 

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