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“Lula errou ao escolher Galípolo para o Banco Central", diz Berzoini

Ex-ministro critica juros altos, alerta para impacto na eleição de 2026 e defende projeto nacional de desenvolvimento de longo prazo

Berzoini: Governo Temer é tolerante com a corrupção. (Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)

247 - O ex-ministro Ricardo Berzoini avaliou que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva cometeu um erro estratégico ao indicar Gabriel Galípolo para a diretoria do Banco Central, com vistas à sucessão no comando da instituição. Na visão do ex-presidente do PT, a manutenção de juros elevados trava o crescimento econômico, alimenta a concentração de renda e pode comprometer o ambiente político e social às vésperas das eleições de 2026.

As declarações foram dadas na entrevista ao programa “Horta da Verdade – Cenários de 2026”, apresentado por Fernando Horta na TV 247. Ao longo da conversa, Berzoini analisou a conjuntura econômica, a capacidade de mobilização do PT, o reposicionamento da direita e os desafios geopolíticos que o Brasil deverá enfrentar no próximo ciclo eleitoral.

Crítica direta a Galípolo e ao Banco Central

Ao tratar da política monetária, Berzoini foi taxativo ao apontar a escolha de Gabriel Galípolo como um erro político de Lula e de Fernando Haddad. Segundo o ex-ministro, a permanência de uma visão ortodoxa na direção do Banco Central impede que o governo colha os frutos de seus esforços na economia real.

“Eu acho que o Lula errou e o próprio Haddad errou, que foi nomear o Galípolo, que é uma pessoa que vem da Faria Lima”, resumiu, ao criticar a postura do atual comando do BC, que mantém juros muito acima das necessidades da economia. Para Berzoini, a condução da política monetária transfere “bilhões e bilhões” de recursos dos endividados e do próprio Estado para os rentistas, produzindo o que classificou como um “crime contra o país”.

Ele lembrou que, em vários momentos da história, o Brasil conviveu com taxas de juros descoladas da realidade econômica e destacou o impacto direto desse quadro sobre trabalhadores, famílias e pequenos negócios: juros altos encarecem o crédito, comprimem a renda, inviabilizam investimentos e reforçam a desigualdade.

Juros altos, emprego e o risco de 2026

Berzoini chamou atenção para a combinação explosiva entre juros reais elevados e calendário eleitoral. Mesmo reconhecendo que o governo Lula conseguiu recuperar empregos e impulsionar investimentos via PAC e políticas sociais, ele demonstrou preocupação com o cenário do ano eleitoral.

Na avaliação do ex-ministro, se o Banco Central optar por reduzir a taxa básica de forma lenta e tímida, o país pode chegar a 2026 com crescimento baixo e mercado de trabalho perdendo fôlego. Essa desaceleração, advertiu, tende a alimentar o desalento do eleitorado em um momento decisivo.

Ele citou o peso dos juros na dívida pública para mostrar a dimensão do problema: segundo Berzoini, o déficit nominal gira em torno de 8% do PIB, dos quais cerca de 7,5% estão ligados ao pagamento de juros e à rolagem da dívida, enquanto o déficit fiscal efetivo é muito menor. Nesse contexto, o chamado “rombo” usado para pressionar cortes em políticas sociais é, na prática, o custo da opção por juros elevados.

Popularidade de Lula e guerra de comunicação

Questionado sobre as pesquisas que apontam aprovação aquém do esperado para o governo, Berzoini relativizou os números, mas reconheceu dificuldades na disputa de narrativas. Para ele, boa parte da percepção negativa é alimentada por uma “guerra híbrida” permanente, especialmente nas redes sociais e em segmentos de igrejas evangélicas.

Segundo o ex-ministro, estruturas profissionais de comunicação da extrema direita operam com grande volume de recursos em impulsionamento, dominam os mecanismos de engajamento nas plataformas e trabalham numa lógica de ataque constante a Lula e ao governo. Enquanto isso, a esquerda ainda tende a privilegiar o debate político mais elaborado, que nem sempre encontra eco na linguagem e na dinâmica das redes.

Mesmo assim, Berzoini considera que Lula já consolidou um núcleo sólido de apoio em torno de um terço do eleitorado. Ele observa que parte dos entrevistados que avaliam o governo como “regular” tende a enxergar essa classificação de forma positiva, o que atenua a leitura de desgaste imediato.

Autocrítica e fragilidades do PT

Berzoini fez uma autocrítica contundente ao PT, especialmente no que diz respeito à capacidade de mobilização e enraizamento social. Ele lembrou que o partido não conseguiu barrar o impeachment de Dilma Rousseff, nem impedir a operação Lava Jato e a prisão de Lula, mesmo após mais de uma década de governos petistas com importantes realizações sociais e econômicas.

Para o ex-ministro, “um partido como o PT não é forte porque tem muitos deputados”, mas sim quando dispõe de uma organização de base real, capaz de se fazer ouvir no movimento sindical, nos bairros populares e em diferentes segmentos sociais. Ele defendeu que o partido retome a construção cotidiana de militância, com debate político, formação e inserção concreta na vida das pessoas.

Berzoini também alertou para um certo “envelhecimento” e acomodação interna, que dificulta a renovação de quadros. Na sua leitura, novos setores – juventude, cultura, movimentos antirracistas – precisam “forçar a porta” e tensionar as estruturas do partido para ganhar espaço, sempre com responsabilidade, mas sem excessiva reverência às lideranças tradicionais.

No campo eleitoral, ele foi realista: não enxerga, hoje, grande capacidade de crescimento da bancada do PT no Congresso, apesar de considerar possível uma ampliação moderada na Câmara e a manutenção das atuais posições no Senado.

Disputa de 2026 e limites da máquina partidária

Ao analisar o tabuleiro de 2026, Berzoini lembrou que o PT chega ao próximo pleito com pouca capilaridade institucional em estados-chave, como São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro, onde o número de prefeituras e mandatos é bem menor do que em períodos anteriores. Isso reduz a chamada “mobilização primária” – a capacidade de irradiar campanha a partir de estruturas locais já consolidadas.

Ele citou São Paulo como exemplo: o partido governa apenas quatro cidades, três pequenas e uma média, Mauá. Em outros estados, o quadro não é muito mais favorável. Nesse cenário, a candidatura de Lula tende a se apoiar principalmente na popularidade nacional do presidente e em arranjos políticos com partidos aliados, mas com menor suporte de uma máquina própria robusta.

Para enfrentar essa limitação, Berzoini defendeu um trabalho minucioso de alianças e mapeamento de prioridades: olhar para as 200 maiores cidades do país, construir frentes com partidos como PSB, PCdoB, PSOL e outros do campo progressista, e reduzir disputas fratricidas em eleições locais e sindicais que fragilizam o bloco como um todo.

Fragmentação e reorganização da direita

O ex-ministro também fez uma leitura detalhada do campo conservador. Ele lembrou que, historicamente, golpes e rupturas institucionais no Brasil foram patrocinados por uma aliança entre latifúndio, grandes empresários, sistema financeiro e setores da mídia, com participação decisiva de segmentos religiosos – como se viu a partir de 2016.

Hoje, observa, a direita liberal está enfraquecida e a extrema direita encontra-se rachada, com conflitos abertos entre a família Bolsonaro, caciques do centrão e lideranças religiosas. Ainda assim, Berzoini não vê fragilidade estrutural: há um debate em curso sobre a melhor tática – lançar um único candidato ou dividir forças no primeiro turno – e sobre quem pode assumir o papel de polo aglutinador, se um nome diretamente ligado à família Bolsonaro, um governador como Tarcísio de Freitas ou algum outsider.

Ao mesmo tempo, parte significativa do centrão integra o governo Lula e ocupa posições estratégicas – como ministérios e a presidência da Caixa Econômica Federal –, o que torna mais complexo o jogo de alianças para 2026. Para Berzoini, Lula precisará de habilidade para garantir que parcelas do MDB, PSD, União Brasil e outros partidos permaneçam ao seu lado durante a campanha, mesmo em cenários de forte pressão da direita.

Projeto nacional para além de 2026

Ao olhar para o futuro, Berzoini argumentou que a eleição de 2026 deve ser tratada como uma oportunidade histórica para que Lula apresente ao país um projeto de desenvolvimento de longo prazo. Ele lembra que, para muitos brasileiros, toda a vida adulta se deu sob governos petistas ou sob a disputa direta entre Lula e seus adversários, o que torna ainda mais necessário mostrar que há um horizonte que vai além da conjuntura imediata.

“O que falta para o Brasil ser um país desenvolvido de fato?”, questionou, ao defender que o país precisa elevar e distribuir sua renda, mudar o patamar tecnológico e deixar de depender majoritariamente de commodities como soja, minério de ferro, petróleo e milho. Países como Coreia do Sul, Japão e China, citou, só deram saltos de desenvolvimento ao combinar planejamento estatal, ciência, tecnologia, inovação e industrialização avançada.

Berzoini sugeriu que Lula apresente um plano de 20 anos para o Brasil, envolvendo governadores de todos os partidos, com foco em transição energética, reindustrialização, digitalização da economia e infraestrutura moderna – incluindo projetos como produção de hidrogênio verde, fabricação de baterias e expansão de ferrovias e trens de alta velocidade.

Ele destacou ainda a necessidade de enfrentar, com mais ousadia, o tema da segurança pública. Lembrou que o Brasil é um dos países mais violentos do mundo, com dezenas de milhares de homicídios anuais, além de elevado número de mortes no trânsito. Sem reduzir a violência e garantir direitos básicos, advertiu, qualquer projeto de desenvolvimento ficará incompleto.

Ao final, Berzoini resumiu a encruzilhada brasileira: para construir um país justo, será preciso combinar distribuição de renda, organização popular e um projeto estratégico de desenvolvimento. E, para isso, a escolha de quem controla o Banco Central – e a política de juros – não é detalhe técnico, mas elemento central da disputa sobre o futuro do Brasil. Assista: 

 

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