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Guerras eternas devem dominar 2026, diz Pepe Escobar

Ele também falou sobre a doutrina estratégica americana, que coloca a América Latina como “quintal”

Guerras eternas devem dominar 2026, diz Pepe Escobar (Foto: Brasil247)

247 – Em vídeo publicado no canal Pepe Café e gravado na Sicília antes do Natal, analista afirma que negociações entre EUA e Rússia tendem a fracassar no Senado, critica decisão do Conselho de Segurança sobre Gaza e destaca avanço do Sul Global com Brics e integração euroasiática

Em um balanço gravado na Sicília, no centro do Mediterrâneo, o jornalista e analista internacional Pepe Escobar avaliou que 2026 será marcado pela continuidade das “guerras eternas”, em especial pela intersecção entre a guerra na Ucrânia e o que descreve como a devastação em Gaza. A análise foi apresentada em vídeo publicado no canal Pepe Café, no qual ele define o cenário global como cada vez mais “complexo” e “volátil”, sugerindo que o próximo ano tende a aprofundar os focos de tensão já existentes.

Escobar explica que gravou o vídeo antes do Natal, em meio às dificuldades logísticas típicas do período na Itália, mas ressalta a importância de apresentar um “mini balanço” de um ano que classifica como extremamente complicado. Para ele, seria necessária “uma erupção do Etna” para simbolizar a dimensão histórica e explosiva dos conflitos atuais, que ele descreve como uma guerra “plurimilenar”, com raízes profundas e que agora desemboca na “intersecção tóxica” entre Ucrânia e Gaza.

Negociações EUA-Rússia: “cabuki” e isolamento de Donald Trump

Pepe Escobar sustenta que o que vem sendo tratado como negociação entre Estados Unidos e Rússia não configura um processo real de paz, mas sim uma encenação, um “cabuki”, que tende a prolongar o conflito. Ele afirma que Donald Trump está isolado internamente porque enfrenta um bloqueio político amplo para qualquer resolução que implique normalização efetiva das relações com Moscou.

Segundo o analista, não se trata apenas de resistência do Partido Democrata, mas também de grande parte do Partido Republicano, além de setores neoconservadores, think tanks de Washington, parte significativa da mídia e do complexo industrial-militar. Na visão de Escobar, ainda que “o business fale mais alto”, o peso de uma russofobia consolidada e de interesses estruturais tende a impedir mudanças substanciais na postura dos Estados Unidos.

O Senado como barreira: por que a guerra tende a continuar

No núcleo de sua argumentação, Escobar afirma que qualquer acordo formal entre Estados Unidos e Rússia precisaria ser ratificado pelo Senado americano, com maioria qualificada de dois terços. Ele considera esse cenário inviável e conclui que, por isso, o conflito seguirá rolando, alimentado pela própria arquitetura institucional e pela correlação de forças em Washington.

Ele insiste que o “cabuki gigantesco” continuará sendo apresentado como negociação, ao mesmo tempo em que as operações no terreno prosseguem sem sinais de interrupção.

Rússia sem pressa e objetivos definidos: “quem vence dita os termos”

Ao tratar da guerra na Ucrânia, Escobar afirma que a Rússia está vencendo no terreno e seguirá avançando até onde for definido pelo presidente Vladimir Putin e pelo Conselho de Segurança Nacional russo. Na sua leitura, não há um prazo claro para encerramento do conflito: pode durar meses, atravessar 2026, avançar até 2027 e permanecer por mais tempo.

Ele argumenta que a Rússia não tem pressa porque seus objetivos foram delineados de forma explícita, incluindo:

  •  Desmilitarização de Kiev e, em extensão, da Otan
  •  Impossibilidade de entrada da Ucrânia na Otan e imposição de uma Ucrânia neutra
  •  Fim do que ele chama de “organização criminal” no governo ucraniano, citando a presença de grupos como Azov, Pravy Sektor e Svoboda
  •  Eliminação do que ele descreve como uma “nebulosa” neofascista e neonazista

Escobar sustenta que, enquanto esses objetivos não forem alcançados, o conflito não será encerrado. Ele também ironiza os governos europeus que pretendem ditar condições à Rússia, definida por ele como uma potência nuclear hipersônica em vantagem militar.

Bombardeios e colapso europeu: custos transferidos ao contribuinte

Escobar afirma que os bombardeios a instalações militares ucranianas continuarão, com intensidade crescente, e destaca também ataques à infraestrutura elétrica. Paralelamente, ele descreve a Europa como incapaz de sustentar financeiramente a guerra. Segundo ele, um pacote de dezenas de bilhões seria, na prática, uma doação, porque as autoridades europeias já saberiam que o dinheiro “jamais será pago de volta”.

O analista acrescenta que os Estados Unidos não devem mais fornecer armas diretamente, forçando os europeus a comprá-las com recursos que não possuem. Para ele, o resultado seria um ciclo de endividamento, com bancos lucrando com juros “estratosféricos”, enquanto o custo final recairia sobre o contribuinte europeu.

Na avaliação do jornalista, Moscou observa o enfraquecimento do Ocidente e calcula que o adversário está se autodestruindo em ritmo acelerado, o que tornaria desnecessário encerrar o conflito por meios imediatos.

Gaza e ONU: crítica a resolução que entrega a governança a Washington

Na segunda parte do vídeo, Escobar afirma que o que ocorre em Gaza está ligado ao eixo mais amplo das guerras em curso e destaca o que chama de uma das decisões “mais vergonhosas” do Conselho de Segurança da ONU, aprovada em 17 de novembro. Segundo ele, a resolução autorizaria, na prática, os Estados Unidos — e, no futuro, a administração Trump — a coordenar um plano para administrar a devastada Faixa de Gaza.

Escobar diz que a resolução transfere o controle de Gaza para estruturas que ele descreve como ficções, como um “Conselho de Paz” e uma “Autoridade Internacional de Estabilização”, supostamente encarregada da segurança. Para ele, isso significaria que esses organismos estariam sob autoridade direta de Donald Trump e operariam em coordenação estreita com Israel.

Na sua leitura, o efeito é explícito: ignorar o direito internacional, punir os palestinos e ainda conceder “um prêmio extra” aos responsáveis pelo genocídio em Gaza. O ponto que ele enfatiza como mais grave é que os palestinos, segundo sua análise, sequer teriam possibilidade de participar das decisões que dizem respeito diretamente a seus direitos, sobrevivência e governança.

Ele define essa decisão como uma “mácula eterna” para as Nações Unidas, afirmando que a ONU estaria se autocondenando ao descrédito histórico.

Doutrina estratégica americana: “Doutrina Monroe 2.0” e América Latina como “quintal”

Escobar insere esse movimento em uma moldura geopolítica mais ampla, citando uma nova doutrina de segurança estratégica americana aprovada semanas antes do vídeo. Segundo ele, a prioridade central é o hemisfério ocidental — traduzido como América Latina — o que equivaleria a uma “Doutrina Monroe 2.0”.

Ele afirma que o documento transmitiria a mensagem de que a América Latina seria o “jardim” de Washington, um espaço onde os Estados Unidos poderiam agir livremente. Como exemplo, menciona a acusação de que o império estaria “roubando o petróleo da Venezuela”, cargueiro após cargueiro, e justificando ações com alegações de combate ao narcotráfico.

Sul Global, Brics e Organização de Cooperação de Xangai: o contrapoder em expansão

Para Escobar, o contrapoder ao hegemonismo americano existe e está encarnado sobretudo no Sul Global, com destaque para os Brics e para a Organização de Cooperação de Xangai. Ele projeta que 2026 será um ano decisivo para o avanço dessas estruturas, ainda que a confrontação com Washington seja conduzida de forma “cada vez mais sutil”.

Ele aponta como relevante o fato de a cúpula do Brics de 2026 ocorrer na Índia, mencionando a visita de Putin ao país e a solidez da parceria Rússia–Índia, que, segundo ele, se consolidaria em nível comparável à parceria Rússia–China.

Escobar também fala em uma retomada do antigo “triângulo de Primakov”, atribuindo ao ex-chanceler russo Yevgeny Primakov o papel de conceptualizador do embrião do Brics no final dos anos 1990. Para ele, o núcleo forte dos Brics se fortaleceria com a presença de Rússia e China, somadas a países como Irã e Indonésia — e ele menciona ainda a expectativa de ver o Brasil mais presente em 2026.

Integração euroasiática: acordos, expansão e contraste com o “vazio” europeu

O analista descreve a integração euroasiática como uma tendência acelerada e cita a cúpula da União Econômica Eurasiática em São Petersburgo como exemplo de sucesso, ocorrida enquanto o Ocidente estaria “distraído” pelo “cabuki” em torno das negociações EUA–Rússia.

Ele menciona Cuba como “cada vez mais integrada” ao espaço eurasiático, além de um acordo de livre comércio com a Indonésia, lembrando que o Irã já teria firmado movimento semelhante. Para Escobar, o eixo europeu-otanista estaria vivendo o oposto: “desespero”, “vazio negro absoluto” e até um “vazio metafísico”, associado ao fim de uma civilização dominante por um período histórico relativamente curto.

Alerta sobre deepfakes e ataques por inteligência artificial

Na conclusão, Escobar faz um alerta: segundo ele, estão circulando pela internet imitações geradas por inteligência artificial utilizando sua identidade, com potencial de desinformação e tentativa de descredibilização. Ele diz que também há conteúdos falsos envolvendo o economista Paulo Nogueira Batista Jr., o que reforçaria, em sua avaliação, um tipo de ataque informacional contra analistas críticos.

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