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    Trump age como 'coveiro' da ordem global criada pelos EUA, avaliam analistas

    Declínio da hegemonia norte-americana teria se intensificado com a invasão do Iraque em 2003, abrindo espaço para uma nova multipolaridade

    Presidente dos Estados Unidos, Donald Trump - 27/02/2025 (Foto: Carl Court/Pool via REUTERS)
    Redação Brasil 247 avatar
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    247 – Em entrevista ao podcast Mundioka, da Sputnik Brasil, especialistas afirmam que os Estados Unidos estão vivendo o declínio de sua hegemonia global, acelerado pelas decisões unilaterais de Washington ao longo das últimas décadas. O processo teria se iniciado com a invasão do Iraque em 2003, sem a chancela da Organização das Nações Unidas (ONU), abrindo espaço para questionamentos sobre a legitimidade das instituições internacionais criadas pelo próprio governo norte-americano.

    Desde o século XIX, os Estados Unidos cultivaram a ideia de serem "a nação escolhida", conceito embasado na doutrina do Destino Manifesto, que justificava a expansão territorial e a influência política do país pelo mundo. Esse pensamento se materializou com a ocupação do Oeste norte-americano, a violenta remoção de povos indígenas e a anexação de territórios do México após a Guerra Hispano-Americana (1898). A partir da Segunda Guerra Mundial, os EUA consolidaram sua posição como potência global, estabelecendo organismos como o Fundo Monetário Internacional (FMI), o Banco Mundial e a própria ONU, além da Doutrina Truman, que oficializou a política de contenção ao comunismo.

    O professor Roberto Moll Neto, da Universidade Federal Fluminense (UFF) e pesquisador da Rede de Estudos dos Estados Unidos, explica que a Doutrina Truman foi essencial para garantir a abertura dos mercados globais à economia norte-americana. "De certa maneira, essa política de contenção foi a gênese da Guerra Fria. Os EUA passaram a intervir sob a justificativa de barrar um suposto avanço soviético, tanto por meio de ações militares quanto pela concessão de empréstimos e ajuda financeira, garantindo a adesão de países da Europa Ocidental e da América Latina à sua esfera de influência", afirma o historiador.

    Segundo Moll Neto, a América Latina tornou-se um "laboratório" para os EUA testarem modelos de domínio que seriam posteriormente exportados para outras regiões. "Os EUA estabeleceram uma relação estreita com as elites e as forças armadas latino-americanas. Esse modelo de intervenção não apenas favorecia regimes alinhados, mas também fortalecia indústrias bélicas norte-americanas, que lucravam com a militarização da região", analisa.

    A política externa de Washington também utilizou a "guerra às drogas" como justificativa para ampliar sua presença militar na América Latina. "Curiosamente, a narrativa da guerra às drogas nunca responsabiliza os EUA pela crise, tratando o fenômeno como um problema externo. Isso permitiu que Washington justificasse interferências diretas no México e na Colômbia, treinando tropas e fornecendo equipamentos militares", observa Moll Neto.

    O pesquisador Késsio Lemos, do Instituto Sul-Americano de Política e Estratégia (ISAPE), ressalta que a interferência dos EUA foi sistemática ao longo da Guerra Fria. "Governos progressistas ou nacionalistas que ameaçassem os interesses norte-americanos foram desestabilizados. O caso do golpe contra Jacobo Árbenz na Guatemala, em 1954, é emblemático, pois a derrubada do presidente não visava apenas conter o comunismo, mas proteger os interesses da United Fruit Company, uma corporação norte-americana", explica.

    O Chile, em 1973, foi outro exemplo marcante. Salvador Allende, eleito democraticamente, foi derrubado quando tentava implementar políticas de redistribuição de renda e nacionalização dos recursos naturais. "O Chile tornou-se um laboratório para as políticas neoliberais que se espalharam pelo mundo nas décadas seguintes, causando um aumento brutal da desigualdade social", afirma Lemos.

    O poder militar é um dos principais pilares da hegemonia norte-americana. "Os EUA têm mais de 750 bases militares espalhadas pelo mundo, o que garante não apenas uma projeção de força global, mas também um cerco estratégico a potências emergentes como China e Rússia", explica Lemos.

    Para os especialistas, a invasão do Iraque em 2003 marcou um ponto de inflexão na hegemonia dos EUA. "Ao desconsiderar a ONU e agir de forma unilateral, Washington minou a credibilidade das instituições internacionais que ajudou a criar. Isso abriu espaço para o surgimento de blocos alternativos, como os BRICS, e a criação de instituições financeiras independentes", analisa Lemos.

    Nesse contexto, a postura do presidente Donald Trump é vista como um símbolo do colapso da ordem global liderada pelos EUA. "Trump está desempenhando o papel de 'coveiro' da ordem internacional que os EUA criaram, pois percebeu que essa estrutura já não assegura sua liderança econômica e militar. O crescimento da China e a capacidade militar da Rússia obrigaram Washington a adotar uma postura muito mais agressiva", explica Lemos. Ele compara a situação a um jogo de xadrez em que um jogador prestes a perder decide virar o tabuleiro para reiniciar a partida.

    Com a ascensão de novas potências e a multipolarização das relações internacionais, analistas avaliam que a hegemonia norte-americana está cada vez mais contestada. "Hoje vemos a consolidação de novas instituições e alianças que buscam reduzir a dependência do sistema financeiro dominado pelos EUA. O que estamos testemunhando é uma reconfiguração profunda da ordem mundial", conclui Lemos.

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