Ford recua nos elétricos e reconhece perdas bilionárias sob impacto das políticas de Trump
Montadora anuncia baixa de US$ 19,5 bilhões, cancela projetos de EVs e reforça aposta em modelos a combustão e híbridos
247 - A Ford Motor anunciou uma guinada estratégica ao decidir reduzir de forma significativa sua presença no mercado de veículos totalmente elétricos. A montadora informou que vai registrar uma baixa contábil de US$ 19,5 bilhões, encerrar diversos projetos de EVs e redirecionar investimentos para automóveis a combustão, híbridos e elétricos de alcance estendido, em meio à queda da demanda e a mudanças no ambiente regulatório dos Estados Unidos.
As informações foram divulgadas pela agência Reuters, que aponta a decisão como uma resposta direta às políticas do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, responsáveis por reduzir o apoio federal aos veículos elétricos e flexibilizar regras de emissões. Do total da baixa anunciada pela Ford, US$ 8,5 bilhões estão ligados ao cancelamento de modelos elétricos planejados, cerca de US$ 6 bilhões decorrem do fim da joint venture de baterias com a sul-coreana SK On e outros US$ 5 bilhões referem-se a despesas classificadas pela empresa como “relacionadas a programas”.
Com sede em Dearborn, no estado de Michigan, a Ford confirmou que o F-150 Lightning deixará de ser produzido em sua versão totalmente elétrica. O modelo será substituído por uma picape elétrica de alcance estendido, equipada com um motor a gasolina responsável por recarregar a bateria. A empresa também decidiu cancelar o desenvolvimento de uma caminhonete elétrica de nova geração, conhecida internamente como T3, além de abandonar planos para vans comerciais elétricas.
Em entrevista à Reuters, o presidente-executivo da Ford, Jim Farley, explicou o momento da decisão: “Quando o mercado realmente mudou nos últimos meses, isso foi o principal impulso para tomarmos essa decisão". Segundo ele, a transformação recente do cenário econômico e regulatório tornou inviável a continuidade de alguns investimentos.
A montadora afirmou que vai intensificar sua aposta em modelos a combustão e híbridos, o que deve resultar na contratação de milhares de trabalhadores no médio prazo. No curto prazo, porém, há previsão de demissões em uma fábrica de baterias no Kentucky, operada em parceria. A expectativa da empresa é que, até 2030, híbridos, elétricos de alcance estendido e EVs puros representem 50% de sua produção global, ante os atuais 17%.
A baixa contábil será reconhecida principalmente no quarto trimestre deste ano, mas se estenderá até 2027. Apesar do impacto financeiro, a Ford revisou para cima sua projeção de lucro operacional ajustado para 2025, estimando cerca de US$ 7 bilhões, acima da faixa anterior de US$ 6 bilhões a US$ 6,5 bilhões. Após o anúncio, as ações da companhia subiram cerca de 1% nas negociações após o fechamento do mercado.
O reposicionamento da Ford ocorre em um contexto mais amplo de retração do mercado de veículos elétricos nos Estados Unidos. Dados citados pela Reuters indicam que as vendas de EVs no país caíram cerca de 40% em novembro, após o fim, em setembro, de um crédito tributário de US$ 7.500 ao consumidor, que vigorava havia mais de 15 anos. A administração Trump também incluiu, em um amplo pacote tributário aprovado em julho, o congelamento de multas aplicadas a montadoras que descumprem regras de eficiência energética, o que tende a favorecer veículos movidos a combustíveis fósseis.
O desempenho abaixo do esperado do F-150 Lightning simboliza essa mudança de cenário. A Ford chegou a ampliar a produção após receber cerca de 200 mil pedidos iniciais, mas as vendas não acompanharam o ritmo. Até novembro deste ano, foram comercializadas 25.583 unidades, uma queda de 10% em relação ao mesmo período do ano anterior.
O cancelamento da caminhonete elétrica T3 representa outro golpe relevante. O modelo seria produzido em um novo complexo industrial no Tennessee e faria parte central da segunda geração de veículos elétricos da empresa. Agora, a fábrica deve passar a produzir caminhonetes a gasolina a partir de 2029, o que, na prática, encerra todo o portfólio de EVs dessa nova geração.
Para o futuro, a Ford afirma que concentrará esforços em veículos elétricos mais acessíveis, desenvolvidos por uma equipe especial baseada na Califórnia. O primeiro modelo desse grupo deverá custar cerca de US$ 30 mil, com início das vendas previsto para 2027, e será produzido na planta de Louisville. O responsável pelas operações de veículos a combustão e elétricos da empresa, Andrew Frick, resumiu a estratégia: “Em vez de gastar mais bilhões em grandes veículos elétricos que hoje não têm caminho para a lucratividade, estamos direcionando esse dinheiro para áreas com maior retorno".
A retração da Ford segue um movimento semelhante adotado por outras grandes montadoras tradicionais. A General Motors anunciou, em outubro, uma baixa de US$ 1,6 bilhão ao revisar seus planos industriais para veículos elétricos, enquanto a Stellantis também recuou em projetos do segmento, cancelando uma picape elétrica da marca Ram e ampliando sua aposta em modelos híbridos.



