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Bradesco critica boom das fintechs e diz que inclusão financeira real exige crédito produtivo

Cassiano Scarpelli afirma que abertura de contas digitais não significa inclusão e defende regras iguais entre bancos e fintechs

Cassiano Scarpelli, vice-presidente do Bradesco (Foto: Divulgação)

247 – O vice-presidente do Bradesco, Cassiano Scarpelli, afirmou que o Brasil vive uma “ilusão de inclusão financeira” ao confundir a expansão de contas digitais com acesso real ao crédito produtivo. As declarações foram dadas durante uma conversa de fim de ano com jornalistas, reportada pelo jornalista André Vieira, editor do Brazil Stock Guide.

Segundo Scarpelli, a narrativa de que o boom das fintechs democratizou o sistema financeiro ignora o que realmente financia o crescimento econômico.

“Para mim, banco de verdade é financiar a ambição de crescimento de alguém. Abrir conta só para receber Pix não é inclusão financeira.”

Inclusão financeira não é ter muitos aplicativos, diz executivo

O executivo afirmou que o número crescente de contas digitais — impulsionado por fintechs e novos entrantes — não representa inclusão plena.
Segundo ele, o brasileiro médio já tem “quatro ou cinco contas”, mas isso não significa acesso a financiamentos de bens duráveis, imóveis, capital de giro ou educação.

De acordo com Scarpelli, falta à discussão pública compreender quem assume risco de crédito, quem financia consumo, quem fornece liquidez e quem mantém a infraestrutura física essencial nas regiões mais vulneráveis.

Ele resumiu esse ponto de forma direta: “É ótimo que mais pessoas estejam abrindo contas, mas isso não é o mesmo que crédito produtivo.”

Projeções do Bradesco para 2026: crédito em alta e juros ainda elevados

Mesmo com o cenário eleitoral que se desenha para 2026, Scarpelli vê condições favoráveis à expansão do crédito, sustentada pela renda das famílias, pelo mercado de trabalho e por um ciclo gradual de queda dos juros.

O executivo reforçou sua tese de que grande parte da economia brasileira opera com crédito direcionado, protegido da alta de juros conduzida pela Selic. Linhas como crédito rural, imobiliário e consignado mantêm a atividade funcionando.

“Cortes de juros ajudam, mas seus efeitos reais só aparecem a partir do segundo trimestre”, afirmou.

Ele acrescentou que o país ainda não está preparado para discutir com serenidade o nível da taxa neutra de juros ou a meta ideal de inflação.

Assimetria regulatória: “Que banco de verdade foi criado nos últimos anos?”

Scarpelli criticou a assimetria entre grandes bancos e fintechs, que operam sob regras mais leves, enquanto instituições tradicionais sustentam custos pesados com agências, segurança cibernética e abastecimento de caixas eletrônicos.

Ele foi direto ao falar sobre concorrência: “Se começássemos a pagar 140% do CDI nos CDBs — como algumas empresas menores fazem — o mercado inteiro entraria em pânico. É uma isca que distorce a competição.”

E provocou o setor: “Que banco de verdade foi criado no Brasil nos últimos anos? Não fintech — banco.”

Na avaliação dele, o país criou plataformas de pagamento e negócios verticais, mas não novos agentes capazes de financiar agronegócio, energia, siderurgia, infraestrutura ou construção civil.

“Quem financia o agronegócio? Quem financia energia e aço? São os mesmos de sempre.”

Ele destacou o mercado de consignado privado como exemplo de competição saudável: “Eu analiso você, faço o preço, e você decide. Isso é competição pura — com regras iguais para todos.”

Caso Banco Master acende alerta: “O arcabouço precisa ser consertado”

O colapso do Banco Master, que consumiu parcela relevante dos recursos do Fundo Garantidor de Créditos (FGC), acendeu um sinal vermelho no Banco Central e entre os grandes bancos.

Para Scarpelli, o arcabouço atual acaba protegendo mais os grandes investidores do que os clientes de baixa renda, já que apenas pessoas de alta renda conseguem distribuir milhões em várias instituições para aproveitar o limite de R$ 250 mil garantido por cada uma.

Ele classificou a situação como “uma distorção grave”, ao lembrar que um terço dos ativos do FGC estava concentrado em uma única instituição.

“Não podemos permitir que isso aconteça de novo. O arcabouço precisa ser consertado.”

Inadimplência sob controle: “O pior já ficou para trás”

Apesar do ambiente de crédito ainda caro, o executivo não vê risco de uma onda de calotes que ameace a estabilidade do sistema.

“Não há boom de inadimplência no horizonte. O pior já ficou para trás.”

Ele reconheceu que alguns casos pontuais ainda podem surgir, especialmente entre empresas que contrataram dívidas caras, mas avaliou que o sistema está preparado para gerir reestruturações.

“Os casos que precisavam ser tratados já apareceram. O sistema está mais sólido e capaz de lidar com o que vier.”

Rede física continua essencial: “Coloco R$ 7 bilhões por dia em ATMs”

Mesmo liderando a agenda de transformação e automação do Bradesco, Scarpelli defende que a estrutura física do sistema financeiro segue indispensável — não por nostalgia, mas por necessidade operacional e social.

Ele destacou o impacto das obrigações logísticas: “Eu coloco R$ 7 bilhões por dia em ATMs. Clientes de baixa renda sacam dinheiro de graça. Alguém tem que pagar essa conta.”

O executivo afirmou que o avanço digital acelerado pela pandemia não eliminou a importância das camadas físicas de proteção, sobretudo em regiões com baixa conectividade.

“O cliente pós-pandemia é mais digital, mas não 100% digital. Você ainda precisa de camadas de proteção.”

Regra igual para todos

Ao final, Scarpelli sintetizou seu entendimento sobre competição e inclusão: “Boa competição é quando todo mundo joga pelas mesmas regras.”

As declarações reforçam a posição dos grandes bancos num momento em que o setor financeiro brasileiro volta ao centro do debate regulatório, com impactos diretos sobre crédito, inovação e infraestrutura.

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