Congresso contraria STF e mantém mais de R$ 1 bilhão em emendas ocultas
Modelo adotado pelo Legislativo segue fragmentado, dificulta fiscalização e preserva práticas associadas ao orçamento secreto
247 - As emendas parlamentares ao Orçamento continuam operando sob um sistema marcado por baixa transparência e dificuldades de rastreamento, mesmo após determinações do Supremo Tribunal Federal (STF) para que o Congresso Nacional adotasse regras mais claras sobre a autoria e a destinação dos recursos. Levantamentos recentes divulgados pela Folha de São Paulo mostram que mais de R$ 1 bilhão segue vinculado a indicações sem identificação precisa de seus verdadeiros responsáveis, mantendo práticas que lembram o chamado 'orçamento secreto'.
Dados referentes ao Orçamento de 2025 mostram um modelo de divulgação fragmentado e pouco funcional, apesar do bloqueio anterior imposto pelo STF e do acordo firmado para destravar os pagamentos mediante maior publicidade das informações.
Dados espalhados e dificuldade de fiscalização
As informações sobre emendas estão distribuídas em mais de 40 arquivos diferentes nos sites das comissões da Câmara dos Deputados e do Senado. Há erros de diagramação, links de difícil acesso e formatos que não permitem o tratamento adequado dos dados. Em muitos casos, os portais oficiais registram como autor da despesa apenas a comissão responsável, sem indicar o parlamentar que solicitou efetivamente o recurso.
Quase 10% das verbas analisadas sequer apresentam identificação de autoria, mantendo o uso das chamadas emendas de liderança. Nesse mecanismo, líderes partidários centralizam pedidos de suas bancadas e assinam a destinação dos recursos, o que acaba ocultando quem realmente indicou a despesa.
Decisão do STF e limites ao uso das emendas de liderança
Em maio deste ano, o ministro do STF Flávio Dino determinou que as emendas de liderança só poderiam ser utilizadas para direcionar recursos do próprio parlamentar que ocupa o cargo, vedando seu uso para esconder o verdadeiro autor da indicação. Apesar disso, o levantamento aponta que o Congresso encontrou formas de contornar a decisão, mantendo a liderança partidária como autora formal das emendas.
O Legislativo chegou a criar um sistema eletrônico, o Sinec, para registro das emendas e envio das informações às comissões e ao governo. No entanto, o acesso à plataforma é restrito ao próprio Congresso, e a divulgação pública ocorre de forma descentralizada, nas páginas das comissões, sem consolidação padronizada dos dados.
Além disso, parte das indicações precisou ser refeita por erros cadastrais, como nomes de municípios ou CNPJs incorretos, sem que essas correções ficassem claramente registradas nas atas. Isso gera o risco de duplicidade de números e torna praticamente inviável identificar qual parlamentar foi efetivamente beneficiado com o pagamento.
Operação da Polícia Federal reacende debate
Na última sexta-feira (12), a Polícia Federal realizou uma operação para apurar desvios de recursos de emendas parlamentares, com buscas em endereços ligados a Mariângela Fialek, conhecida como Tuca. Ela atuou como assessora responsável pela coordenação da distribuição de verbas durante a gestão do ex-presidente da Câmara Arthur Lira (PP-AL) e manteve essa função sob a presidência de Hugo Motta (Republicanos-PB).
Ao autorizar a operação, o ministro Flávio Dino afirmou que “há elementos que indicam que, apesar da troca de comando na Câmara dos Deputados, a investigada manteria, ainda, importante papel nas já conhecidas tentativas de perpetuação do malfadado orçamento secreto”. A busca e apreensão ocorreu em um dos gabinetes da presidência da Câmara, onde a servidora costumava despachar.
Por meio de advogados, Tuca declarou que exercia uma função “técnica, apartidária e impessoal” e que todo o material apreendido era de caráter público. Arthur Lira e Hugo Motta saíram em sua defesa, argumentando que ela é servidora da Casa e que não haveria irregularidades no direcionamento das emendas.
R$ 1 bilhão segue sem autor identificado
No fim de 2024, Flávio Dino bloqueou R$ 4,2 bilhões em emendas de comissão por falta de transparência. Esses recursos haviam substituído as antigas emendas de relator, que ficaram conhecidas pelo sigilo na distribuição de bilhões de reais para bases eleitorais, prática alvo de investigações por desvios e irregularidades.
Embora o Congresso tenha negociado um acordo com o STF e aprovado um projeto de lei prometendo tornar público o nome do parlamentar responsável pelas indicações, a regra permitiu que líderes partidários continuassem figurando como autores formais. Nas atas das comissões, pelo menos R$ 1 bilhão permanece oculto sob a rubrica de liderança partidária.
A liderança do PP na Câmara aparece como a que mais utilizou esse expediente, com cerca de R$ 358 milhões distribuídos dessa forma. A maior parcela foi destinada ao Piauí, com R$ 189 milhões, seguida pelo Rio de Janeiro, com R$ 80 milhões, além de Tocantins e Alagoas, com R$ 19 milhões cada.
O líder do PP na Câmara, deputado dr. Luizinho Teixeira (RJ), afirmou à Folha de São Paulo que “todas as emendas tem seus parlamentares responsáveis” e sugeriu que o sistema possa ter vinculado de forma equivocada recursos destinados a outros deputados como se fossem de autoria da liderança.
Outros partidos e falhas nos sistemas
Também aparecem com volumes expressivos de emendas de liderança o União Brasil, com R$ 266 milhões destinados a 15 estados, e o Republicanos, com R$ 201 milhões. No caso do Republicanos, planilhas indicam R$ 180 milhões em nome de Hugo Motta, além de outros R$ 77 milhões direcionados à Paraíba sob a identificação do líder partidário.
Constam ainda indicações semelhantes atribuídas a Solidariedade, Avante, Podemos e PL. Os problemas se agravam com a qualidade dos dados: documentos despadronizados, majoritariamente em PDF, links incorretos e ausência de arquivos editáveis dificultam análises mais precisas, mesmo com o uso de inteligência artificial.
Orçamento bilionário e resposta da CGU
O Orçamento de 2025 prevê cerca de R$ 50,4 bilhões em emendas parlamentares. Desse total, R$ 39,1 bilhões já foram empenhados e aproximadamente R$ 27,4 bilhões pagos. Apesar de ajustes em andamento no Portal da Transparência, ainda não é possível identificar o autor de parte significativa das emendas.
Procurada, a Controladoria-Geral da União informou que disponibiliza informações de autoria até 2024. Segundo o órgão, “a conclusão do Plano de Trabalho ocorrerá em breve e vai permitir a integração do Portal da Transparência [com] os dados de apoiamentos e solicitações de Emendas de Comissão do exercício de 2025 e dos anos seguintes”.



