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Ataque à Venezuela é sinal de desespero do Império, diz José Arbex

Analista afirma que ofensiva de Donald Trump reflete a perda de hegemonia dos EUA diante da ascensão do BRICS e da China

Ataque à Venezuela é sinal de desespero do Império, diz José Arbex (Foto: Brasil247)

247 – A intensificação das pressões dos Estados Unidos contra a Venezuela, com a ampliação da presença militar no Caribe e episódios envolvendo embarcações civis, não expressa força estratégica, mas sim o desespero de um império em declínio. A avaliação é do jornalista e analista geopolítico José Arbex Júnior, que vê na postura do governo de Donald Trump, atual presidente dos Estados Unidos, uma reação à perda de hegemonia global e à profunda crise social e política vivida internamente pelo país.

As declarações foram feitas em entrevista ao programa Forças do Brasil, da TV 247, em conversa com o jornalista Mario Vitor Santos. Ao longo da entrevista, Arbex analisou o cerco à Venezuela, o papel do BRICS, a ascensão da China, o envolvimento da Rússia e o impacto desses movimentos sobre a geopolítica mundial.

Ao explicar por que considera a ofensiva contra Caracas um ato de fragilidade, Arbex foi categórico: “A pergunta é se o império está agindo dessa forma por uma posição de força, porque está muito forte, ou se está agindo por desespero. Na minha opinião, está fazendo isso por desespero”. Para ele, a agressividade de Washington revela que os Estados Unidos “estão perdendo o controle” da ordem internacional que ajudaram a construir.

Nova Rota da Seda e erosão da hegemonia dos EUA

Segundo Arbex, o ponto de inflexão da hegemonia norte-americana ocorre a partir do avanço da China com a Iniciativa Cinturão e Rota, conhecida como Nova Rota da Seda. “Hoje você tem mais de 150 países que fazem parte da Nova Rota da Seda”, afirmou, destacando que “53 dos 54 países africanos” aderiram ao projeto e que “20 países da América Latina” também integram essa articulação.

Na avaliação do analista, esse processo marginalizou os Estados Unidos dos principais fluxos comerciais e estratégicos do mundo, fortalecendo o BRICS e aprofundando a cooperação entre China, Rússia e países do Sul Global. “Os Estados Unidos foram ficando escanteados nessa história”, disse, acrescentando que, diante disso, Washington voltou seus olhos para a América Latina, historicamente tratada como área de influência exclusiva.

Arbex lembrou que essa lógica remonta à Doutrina Monroe, formulada no século XIX, segundo a qual “a América é dos americanos”. Para ele, o governo Trump tenta resgatar esse princípio sob uma nova roupagem. “O Trump está revertendo o globalismo e dizendo que o problema agora é a segurança das fronteiras e do hemisfério ocidental”, explicou, ao se referir às novas diretrizes da política de segurança nacional dos EUA.

Por que a Venezuela se tornou alvo central

O jornalista apontou razões estratégicas claras para o foco na Venezuela, começando pelo petróleo. “A Venezuela tem a maior reserva de petróleo do mundo, maior do que a da Arábia Saudita”, afirmou. Segundo ele, os Estados Unidos temem perder o controle do comércio global de energia, especialmente num contexto em que países produtores passam a negociar petróleo fora do dólar.

Arbex destacou que esse controle sempre foi um pilar da hegemonia norte-americana. “A partir do momento em que o petróleo deixa de ser negociado em dólar, os Estados Unidos perdem o controle sobre o fluxo de energia mundial”, disse, ressaltando que isso afeta informações estratégicas sobre reservas e rotas de abastecimento.

Uma segunda razão envolve Cuba. Para o analista, Washington avalia que o enfraquecimento da Venezuela pode agravar ainda mais a situação cubana. “Os Estados Unidos sabem perfeitamente bem que, se acabarem os laços entre Venezuela e Cuba, a situação de Cuba vai se agravar ainda mais”, afirmou, observando que isso poderia levar ao colapso do governo herdeiro da Revolução Cubana.

A terceira razão, segundo Arbex, é política e interna. Ele criticou duramente o secretário de Estado Marco Rubio, a quem atribuiu uma agenda ideológica marcada pela hostilidade a Cuba e pela tentativa de capitalizar politicamente a ofensiva contra a Venezuela. Para o analista, essa combinação de fatores revela uma política externa “truculenta” e orientada mais por interesses internos do que por uma estratégia consistente.

Crise interna e limites para uma guerra

Arbex também chamou atenção para a gravidade da crise social nos Estados Unidos, que, segundo ele, é subestimada inclusive por setores da esquerda brasileira. “Cerca de 40 milhões de pessoas nos Estados Unidos não sabem o que vão comer amanhã”, afirmou, acrescentando que mais de 60% das famílias vivem de salário em salário, sem margem para enfrentar imprevistos.

Nesse contexto, o analista considera improvável que o governo Trump consiga sustentar uma guerra de médio ou longo prazo contra a Venezuela. “É muito difícil imaginar soldados dos Estados Unidos morrendo na Venezuela e a população aceitar isso numa boa”, disse, lembrando as grandes manifestações recentes no país e a impopularidade recorde do presidente.

Para Arbex, a ofensiva contra Caracas ocorre “numa posição de fraqueza do império, não de força”. Ele comparou a situação a uma “besta mortalmente ferida”, que reage de forma perigosa, atacando para todos os lados, mas com capacidade limitada de impor seus objetivos.

BRICS, Rússia, China e o impacto global

Ao tratar do papel das grandes potências, Arbex afirmou que Rússia e China não podem recuar, pois o que está em jogo é estratégico. “O que está em jogo são o BRICS e a Nova Rota da Seda”, disse. Ele destacou que a Rússia já está profundamente envolvida, com armamentos e treinamento militar na Venezuela, enquanto a China atua de forma mais discreta, mas decisiva.

Segundo o analista, qualquer escalada mais ampla contra a Venezuela teria repercussões globais, afetando o comércio mundial de petróleo e envolvendo diretamente países como China, Rússia e Irã. “O ataque à Venezuela tem repercussões que vão muito além das repercussões locais e regionais”, afirmou, alertando que o conflito pode desestabilizar cadeias estratégicas em escala planetária.

Diante desse quadro, Arbex concluiu que a política de Trump não se sustenta no longo prazo. “Não é uma política externa com estratégia fundamentada e articulada. É um ato de desespero”, disse, avaliando que a ofensiva tende a acelerar, e não conter, o processo de desagregação do poder imperial dos Estados Unidos.

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