Estados Unidos deveriam aceitar a ascensão chinesa, diz Kishore Mahbubani
Diplomata de Singapura elogia planejamento de longo prazo de Pequim e defende cooperação entre China e Estados Unidos
247 – O ex-representante permanente de Singapura nas Nações Unidas Kishore Mahbubani afirmou que os Estados Unidos deveriam aceitar a continuidade da ascensão chinesa e buscar formas de cooperação com Pequim, em vez de tentar bloqueá-la. Segundo ele, qualquer tentativa de desacoplamento econômico em relação à China equivale, na prática, a um distanciamento do restante do mundo. As declarações foram dadas em entrevista ao programa Leaders Talk, da CGTN.
Na conversa, Mahbubani analisou o momento de transição da China do 14º para o 15º Plano Quinquenal, em um cenário internacional marcado por tensões geopolíticas, retrocessos na globalização e disputas tecnológicas. Para o diplomata, a estratégia chinesa de planejamento de longo prazo, combinada com abertura econômica e forte capacidade estatal, explica boa parte do desempenho do país nas últimas décadas.
Ao comentar o World Openness Report, lançado durante a China International Import Expo (CIIE), Mahbubani destacou que o relatório confirma uma regressão global na abertura econômica prevista para 2025. Ainda assim, ele ressaltou uma mudança histórica relevante. “Hoje são os países ocidentais, especialmente os Estados Unidos, que têm medo da globalização, enquanto os países asiáticos passaram a abraçá-la”, afirmou.
Segundo Mahbubani, essa inversão contrasta com o cenário de 30 ou 40 anos atrás, quando o Ocidente defendia a abertura econômica como caminho natural para o desenvolvimento. Para ele, o fato de a China liderar a produção de um relatório global sobre abertura econômica simboliza essa transformação do eixo de poder mundial.
Importações, África e abertura comercial
O diplomata também elogiou a China International Import Expo, classificando-a como um evento singular. “É impressionante que o único país que organiza uma feira internacional de importações seja a China”, afirmou. Mahbubani destacou ainda a decisão chinesa de aplicar tarifas zero a produtos de países africanos, avaliando a medida como uma contribuição concreta ao desenvolvimento do continente.
Segundo ele, a iniciativa ganha ainda mais relevância em um contexto em que os Estados Unidos aumentaram tarifas contra diversos países, incluindo nações africanas. “É positivo que a China anuncie tarifas de 0%, porque isso ajuda diretamente o desenvolvimento africano”, disse.
China, Estados Unidos e o risco do desacoplamento
Ao analisar as relações entre China e Estados Unidos, Mahbubani comentou a reunião entre o presidente chinês Xi Jinping e o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, realizada à margem da cúpula da APEC, na Coreia do Sul. Ele avaliou que o encontro trouxe alívio ao cenário internacional. “Havia um medo real de que esse primeiro encontro, após a reeleição de Donald Trump, pudesse dar errado”, afirmou. “O fato de ter sido bem-sucedido foi bom para a China, para os Estados Unidos e para o mundo.”
Mahbubani reforçou sua crítica à estratégia americana de desacoplamento. “A China hoje faz mais comércio com o resto do mundo do que os Estados Unidos. Isso é um fato”, afirmou. Segundo ele, muitos países dependem da China para componentes essenciais de suas cadeias produtivas, o que torna inviável um isolamento seletivo.
“Quando os Estados Unidos tentam se desacoplar da China, podem descobrir que estão se desacoplando não apenas da China, mas também do resto do mundo”, disse. Para o diplomata, seria mais sensato que Washington aceitasse a ascensão chinesa e buscasse uma relação mutuamente benéfica. “A ascensão da China vai continuar”, afirmou. “Seria mais sábio trabalhar com a China do que tentar impedir seu crescimento.”
Planos quinquenais e desenvolvimento de alta qualidade
Mahbubani elogiou a continuidade dos planos quinquenais chineses, lembrando que, após o fim da Guerra Fria, muitos economistas defenderam o abandono do planejamento estatal em favor de decisões exclusivamente de mercado. “Hoje aprendemos que os mercados sozinhos não são suficientes para tomar decisões de longo prazo”, afirmou.
Segundo ele, o modelo chinês combina a “mão invisível dos mercados” com a “mão visível de um governo forte”, o que permite ao país orientar setores estratégicos sem sufocar a competição. Mahbubani citou como exemplos a intensa concorrência nos setores de veículos elétricos e baterias.
Ao comentar o 15º Plano Quinquenal, destacou a prioridade ao desenvolvimento de alta qualidade. “Não se trata apenas de crescimento, mas da qualidade do crescimento, do impacto no meio ambiente e na vida das pessoas”, afirmou, classificando a escolha como “uma decisão muito sábia”.
Inovação, robótica e preparação para o futuro
O diplomata também destacou a liderança chinesa em robótica e inovação tecnológica. Ele relatou ter visitado uma fábrica de robôs em Shenzhen e se disse impressionado com o nível de desenvolvimento. “Se há um país que está se preparando bem para o futuro, esse país é a China”, afirmou.
Mahbubani citou dados para ilustrar o avanço chinês. Segundo ele, embora um em cada seis habitantes do planeta seja chinês, um em cada três robôs do mundo também é produzido na China, e metade dos novos robôs fabricados diariamente tem origem chinesa. Para ele, esse investimento é fundamental diante do envelhecimento populacional e da futura escassez de mão de obra.
“O mundo deveria ficar feliz que a China esteja liderando a manufatura e a produção de robôs”, disse, defendendo que o país compartilhe sua experiência com outras nações, inclusive em desenvolvimento, para aumentar a produtividade global.
Mahbubani também rebateu a narrativa de que a China não seria inovadora. Ele citou exemplos históricos em que tentativas de impedir o avanço tecnológico chinês fracassaram, como nos setores nuclear e espacial. “Seria mais sábio que o Ocidente trabalhasse com a China, em vez de tentar bloquear seu desenvolvimento científico e tecnológico”, afirmou.
Governança, pobreza e narrativas sobre a China
Em um momento mais pessoal da entrevista, Mahbubani relatou sua experiência de infância marcada pela pobreza em Singapura. Segundo ele, apenas quem viveu essa realidade consegue compreender plenamente o impacto de superá-la. “A pobreza é uma condição terrível”, afirmou.
Por isso, destacou a importância histórica do fato de a China ter retirado cerca de 800 milhões de pessoas da pobreza extrema. “É preciso uma quantidade extraordinária de boa governança para erradicar a pobreza”, disse, defendendo que a experiência chinesa seja estudada por outros países.
Mahbubani também criticou as narrativas negativas persistentes sobre a China no Ocidente, atribuindo-as ao medo da perda de poder após dois séculos de hegemonia. “Quando o Ocidente vê a China superando-o em várias áreas, isso gera ansiedade”, afirmou, classificando a demonização do país como uma estratégia equivocada.
Globalização e liderança chinesa
O diplomata elogiou as iniciativas chinesas voltadas à governança global e lembrou o discurso de Xi Jinping no Fórum Econômico Mundial de 2017, no qual o presidente defendeu a globalização e o multilateralismo. Mahbubani destacou a metáfora usada por Xi ao descrever a China “mergulhando no oceano da globalização”, enfrentando dificuldades, mas emergindo mais forte.
Para ele, essa mensagem segue atual. “Qualquer país em desenvolvimento que queira crescer deveria seguir o exemplo da China”, afirmou. Segundo Mahbubani, mesmo países ocidentais que hoje recuam da globalização acabarão percebendo que precisam retomá-la para prosperar.
Ao final, ele afirmou que a liderança de Xi Jinping tem sido decisiva para manter a China “forte e estável” em um dos períodos geopolíticos mais desafiadores de sua história recente, marcado por forte pressão externa. Para Mahbubani, compreender essa trajetória é essencial para entender o século asiático e a transformação em curso na ordem global.


