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Brasil articula diplomacia para conter risco de ataque dos EUA à Venezuela

Planalto tenta evitar bombardeios, busca diálogo direto com Trump e avalia impactos regionais da escalada militar

Donald Trump e Nicolás Maduro (Foto: Manaure Quintero/Reuters I Piroschka Van De Wouw/Reuters)

247 – O governo do presidente Lula transformou a crise envolvendo Venezuela e Estados Unidos em sua prioridade número um na frente internacional. Segundo reportagem do jornal Valor Econômico, Brasília enxerga como iminente a possibilidade de bombardeios norte-americanos ao território venezuelano, o que acendeu um alerta diplomático, militar e humanitário no Palácio do Planalto.

Nas conversas internas, assessores informam que Lula trabalha em duas frentes: tentar evitar o ataque e, caso ele ocorra, atuar para impedir uma escalada que desestabilize toda a região. O presidente considera que o Brasil ainda pode ajudar a construir um entendimento entre Caracas e Washington, apesar do endurecimento das ações dos EUA.

Missão inicial: evitar o primeiro bombardeio

A avaliação do Planalto é que os Estados Unidos intensificaram os movimentos militares na direção de uma ofensiva. Navios norte-americanos já circulam no Caribe, entre eles o porta-aviões USS Gerald Ford, a maior embarcação da Marinha dos EUA. A frota opera em águas internacionais, mas muito próxima da Venezuela.

A escalada inclui ataques a embarcações que Washington afirma serem usadas por traficantes venezuelanos, deixando dezenas de mortos. Além disso, Donald Trump — atual presidente dos Estados Unidos — fez dois alertas públicos: determinou que todos considerem o espaço aéreo venezuelano “fechado” e orientou cidadãos dos EUA a deixarem o país.

Lula conversou com Trump e tenta abrir canal entre Caracas e Washington

A situação da Venezuela foi um dos principais temas da conversa de Lula com Trump na semana passada, ao lado de tarifas comerciais e sanções impostas a ministros do Supremo Tribunal Federal. Pelo resumo oficial da conversa, Trump evitou detalhar seus planos para Caracas.

Apesar disso, Brasília insiste em estimular o diálogo. Por meio das embaixadas, o governo brasileiro tem enviado a Nicolás Maduro a recomendação de que adote uma postura aberta às conversas com Washington e de evite discursos que elevem o conflito.

Segundo assessores, a orientação brasileira pode ter contribuído para o tom mais moderado de Maduro, que nos últimos dias afirmou desejar “paz” e “diálogo”. Maduro e Trump chegaram, inclusive, a conversar por telefone.

Ainda assim, nada disso eliminou a preocupação do Planalto quanto à proximidade de um possível ataque.

Se a ofensiva ocorrer, Brasil tentará conter reação e limitar danos

Nos bastidores, o governo já avalia cenários para o caso de bombardeios norte-americanos. Uma das estratégias seria convencer Maduro a “medir” sua resposta para evitar uma escalada que leve a ataques sucessivos dos EUA. A leitura é que uma reação desproporcional de Caracas seria usada como argumento para ampliar a ofensiva militar americana.

Outra ação seria reforçar negociações com Washington para que qualquer eventual ataque se limite a uma única investida inicial — e não se transforme em uma campanha prolongada contra múltiplos alvos venezuelanos.

Segundo assessores de Lula, os EUA provavelmente mirariam instalações que afirmam serem ligadas à produção e circulação de cocaína, e não edifícios governamentais ou militares.

Pressões internas, antecedentes e a fragilidade de Maduro na região

Diversos países expressaram preocupação ao Brasil durante a COP30, especialmente França (por causa da Guiana Francesa) e Holanda (com presença no Caribe). A crise também divide a América do Sul.

O presidente argentino Javier Milei é um crítico direto de Maduro, e Paraguai e a recém-eleita Bolívia de direita dificilmente apoiariam uma articulação para conter a pressão dos EUA.

A situação venezuelana fragilizou-se ainda mais após as ameaças de Maduro, no ano passado, de tomar parte do território da Guiana. A relação com o Brasil também sofreu desgaste porque Brasília não reconheceu a legitimidade da vitória de Maduro nas eleições de julho de 2024.

Houve ainda tensões diplomáticas: o presidente da Assembleia Nacional, Jorge Rodríguez, ameaçou declarar persona non grata o assessor especial de Lula, Celso Amorim. Ao mesmo tempo, o governo brasileiro tampouco mantém diálogo fluido com líder da oposição venezuelana, Maria Corina Machado, vencedora do Nobel da Paz.

Riscos imediatos para o Brasil: fronteira, precedentes militares e instabilidade política

O Planalto trabalha com três grandes preocupações:

1) Fuga em massa para o Brasil.
Um ataque poderia provocar deslocamentos em larga escala de venezuelanos rumo à fronteira brasileira — que tem 2 mil quilômetros — e a outros países da região.

2) Precedente perigoso para a América Latina.
Bombardeios sob o pretexto de combater o narcotráfico abririam margem para ofensivas semelhantes contra outros países, algo visto por diplomatas brasileiros como uma ameaça à soberania regional.

3) Possível queda de Maduro patrocinada pelos EUA.
Assessores alertam que uma derrubada do governo venezuelano por ação externa lançaria a região em profunda incerteza. O Planalto avalia que, assim como o atual regime carece de legitimidade, a oposição venezuelana tampouco possui liderança capaz de promover união nacional.

Brasil considera liderança em esforço internacional para “desarmar” a crise

Se o ataque ocorrer, uma articulação diplomática liderada pelo Brasil, reunindo países preocupados com a estabilidade regional, é vista como uma das alternativas. A ideia, porém, enfrentaria resistências internas na América do Sul.

Ainda assim, no Planalto circula a convicção de que o Brasil talvez seja o único ator com capacidade real de atuar como amortecedor entre Caracas e Washington — tanto para evitar o primeiro ataque quanto para impedir que a crise evolua para um conflito de grandes proporções no continente.

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