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Economist critica política externa de Trump e destaca ameaças à América Latina

Nova estratégia de segurança dos EUA amplia intervenção no hemisfério e alarma aliados

O presidente dos EUA, Donald Trump, na Casa Branca - 9/11/2025 (Foto: REUTERS/Annabelle Gordon)

247 – A nova Estratégia de Segurança Nacional (NSS, na sigla em inglês) do presidente Donald Trump, divulgada de forma inesperada na madrugada de 4 para 5 de dezembro, gerou forte apreensão entre diplomatas, militares e analistas ao redor do mundo. Em sua análise, a The Economist classificou o documento como incoerente, contraditório e inquietante.

O texto consolida a versão mais agressiva da política de America First, substituindo princípios e valores compartilhados — que por décadas sustentaram alianças internacionais — por um pragmatismo orientado exclusivamente pelos interesses dos Estados Unidos. A mudança, segundo a análise britânica, rompe com o arcabouço multilateral construído pelos próprios EUA no pós-Segunda Guerra Mundial e sinaliza um retorno a práticas intervencionistas típicas do século XIX.

NSS abandona valores e transforma America First em imposição de poder

Embora alegue não se basear em “ideologias tradicionais”, a NSS afirma ser motivada por “o que funciona para a América”. Para isso, apresenta um conceito vago chamado “realismo flexível”, definido como ser “pragmático sem ser ‘pragmatista’, realista sem ser ‘realista’, principiado sem ser ‘idealista’, musculoso sem ser ‘belicista’ e comedido sem ser ‘pacifista’”.

O The Economist descreve essa formulação como um conjunto de contradições que revela uma política externa sem fundamentos sólidos, marcada mais por impulsos do que por estratégia. Ao retirar da doutrina os valores que historicamente justificaram alianças e ações internacionais, a NSS transforma America First em uma afirmação de poder bruto.

Ameaça de intervenção direta na América Latina reacende memórias históricas

A região tratada com maior dureza é o hemisfério ocidental, especialmente a América Latina.
A NSS declara: “Queremos garantir que o hemisfério ocidental permaneça razoavelmente estável e bem governado o suficiente para impedir e desencorajar a migração em massa para os Estados Unidos”.

Para isso, exige que governos latino-americanos:

  •  reforcem o controle migratório,
  •  reprimam o tráfico de drogas,
  •  permitam que os EUA tenham controle ou poder de veto sobre investimentos estrangeiros considerados “hostis”,
  •  e ofereçam acesso a recursos estratégicos, portos e posições sensíveis.

O documento afirma ainda que, “onde a aplicação da lei tiver falhado em deter o contrabando de drogas, a América usará as forças armadas”.

Essa doutrina é denominada “Corolário Trump”, uma homenagem explícita ao “Corolário Roosevelt”, usado em 1904 para justificar intervenções militares norte-americanas em países da América Latina.
Segundo o The Economist, o texto parte da premissa de que o ressentimento histórico não impedirá que os latino-americanos “façam o que lhes for mandado”.

Ásia recebe alívio momentâneo sobre Taiwan, mas enfrenta exigências duras

Para aliados asiáticos, a NSS traz um breve alívio ao reafirmar que os EUA “não apoiam qualquer mudança unilateral do status quo no Estreito de Taiwan”.
O texto, contudo, evita mencionar a democracia taiwanesa e ressalta apenas que a ilha é um “reduto estrategicamente localizado” no centro da Primeira Cadeia de Ilhas — posição crucial para conter as forças navais e aéreas da China — além de ser “a maior fonte de semicondutores avançados”.

Segundo o documento, os EUA manterão forças capazes de “deter qualquer tentativa de tomar Taiwan ou de controlar as rotas marítimas próximas daquela ilha ou no Mar do Sul da China”.
Em troca, aliados asiáticos devem aumentar seus investimentos militares e permitir maior presença de tropas e equipamentos norte-americanos.

Europa é retratada como continente em “crise civilizacional”

A parte mais polêmica da NSS recai sobre a Europa.
O documento afirma que o continente vive “a perspectiva clara de apagamento civilizacional”, provocado pela perda de identidade nacional.
Alerta ainda que “é mais do que plausível que, dentro de algumas décadas no máximo, certos membros da OTAN se tornarão majoritariamente não europeus” e que “é uma questão em aberto se eles verão seu lugar no mundo, ou sua aliança com os Estados Unidos, da mesma forma que aqueles que assinaram a Carta da OTAN”.

A estratégia pede “celebrações sem desculpas do caráter individual e da história das nações europeias” e encoraja o avanço de “partidos patrióticos europeus” — referência direta à extrema direita, como o Rassemblement National (França), Reform UK (Reino Unido) e AfD (Alemanha).

Sobre a Ucrânia, a NSS sugere que “a maioria dos europeus quer paz mesmo que isso signifique se render a Vladimir Putin”, argumentando que seus governos estariam impedindo esse desejo. Defende um “fim rápido da guerra” para evitar uma escalada e afirma que a OTAN não pode ser “uma aliança em expansão perpétua”.
O documento não contém nenhuma crítica às agressões de Putin.

Documento reforça medo, não respeito

Na carta introdutória, Trump escreve: “Em tudo o que fazemos, estamos colocando a América em primeiro lugar”. Logo antes, ele afirma: “A América é forte e respeitada novamente — e por causa disso, estamos fazendo a paz em todo o mundo”.

Para o The Economist, essas declarações estão em desacordo com a realidade internacional: os EUA são hoje temidos, ressentidos e objeto de preocupação constante, mas não mais respeitados como antes.

Ao combinar retórica agressiva contra a América Latina, pressões arriscadas na Ásia e apoio direto a partidos radicais na Europa, a nova Estratégia de Segurança Nacional sinaliza um período de maior instabilidade global, incerteza diplomática e risco real de novos conflitos.

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