PL da Dosimetria enfrenta resistência no Senado e deve sofrer ajustes
Relator articula mudanças para restringir alcance do texto e evitar brechas que beneficiem outros crimes além dos atos golpistas
247 - O projeto de lei que altera critérios de dosimetria penal, aprovado de forma acelerada pela Câmara dos Deputados, chegou ao Senado sob forte resistência política e jurídica. A proposta, que beneficia Jair Bolsonaro (PL) e condenados pelos atos golpistas de 8 de janeiro de 2023, deve passar por modificações antes de qualquer deliberação final, diante do risco de abrir brechas para favorecer condenados por outros crimes graves, informa o jornal O Globo.
O relator na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), senador Esperidião Amin (PP-SC), trabalha na incorporação de emendas que limitem a aplicação das novas regras exclusivamente aos crimes investigados no contexto dos ataques às sedes dos Três Poderes.
A principal preocupação de senadores é que a redação aprovada na Câmara alterou dispositivos da Lei de Execução Penal, permitindo progressão de regime com o cumprimento de apenas 16% da pena em casos que hoje exigem ao menos 25%. A mudança poderia beneficiar condenados por crimes cometidos com violência ou grave ameaça, como incêndio doloso, exploração violenta da prostituição, coação no curso do processo, interferência violenta em licitações e atentado à soberania nacional.
Para evitar esse efeito amplo, parlamentares discutem uma estratégia legislativa que permita ajustes sem que o projeto precise retornar à Câmara. Uma das alternativas em análise é o uso de emendas de redação, mecanismo que corrige imprecisões do texto sem reabrir a tramitação entre as Casas, o que encurtaria o debate e permitiria uma decisão ainda este ano.
O relator afirmou que ao menos duas emendas têm papel central nesse esforço. “Olha, nós já temos pelo menos duas emendas que merecem uma atenção especial, porque elas praticamente objetivam salvar o projeto na deliberação do Senado. Objetivam restringir o alcance aos apenados pelo inquérito de 8 de janeiro. São emendas muito adequadas ao propósito original do projeto”, disse Esperidião Amin.
Entre as propostas em discussão está a emenda apresentada pelo senador Otto Alencar (PSD-BA), presidente da CCJ. O texto estabelece que as novas regras se apliquem “exclusivamente” aos crimes cometidos no contexto dos atos golpistas. Na justificativa, Alencar argumenta que, sem essa delimitação, o projeto permite a aplicação genérica de critérios de dosimetria penal, com potencial para beneficiar condenados por outros delitos, o que violaria princípios constitucionais como proporcionalidade, razoabilidade, isonomia e segurança jurídica.
O senador foi enfático ao avaliar o texto atual. “Eu tenho certeza de que, do jeito que está, esse texto não passa. Seria uma temeridade aprová-lo, e eu concordo com o presidente Lula em vetar o projeto da forma como veio para o Senado”, afirmou. Segundo ele, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), está alinhado com esse encaminhamento mais restritivo.
A leitura do relatório está prevista para a próxima reunião da CCJ. O senador Veneziano Vital do Rêgo (MDB-PB) já antecipou que deve pedir vista após a apresentação do parecer, ainda que por um curto período. “A ideia é pedir vista após a leitura, mas pode ser uma vista curta, de horas. Dependendo do andamento, é possível votar ainda na quarta-feira”, declarou.
Otto Alencar também relatou conversas com senadores como Renan Calheiros (MDB-AL), Eduardo Braga (MDB-AM), Omar Aziz (PSD-AM), Alessandro Vieira (MDB-SE) e o próprio relator, indicando que há disposição no Senado para examinar o texto ponto a ponto e barrar qualquer solução que mantenha as brechas identificadas desde a tramitação na Câmara.
O governo federal atua para frear o avanço da proposta. A ministra da Secretaria de Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann (PT), citou manifestações realizadas no fim de semana em diversas capitais. “As ruas do país falaram alto outra vez neste domingo: Sem Anistia! Sem redução de penas! Quem foi condenado por atentar contra a democracia tem de pagar por seus crimes. O Brasil não quer andar para trás”, escreveu em uma rede social.
Na avaliação do senador Alessandro Vieira, a pressão para votar rapidamente o projeto não se sustenta do ponto de vista prático. Ele lembrou que a Câmara adiou para o próximo ano a análise da PEC da Segurança Pública e do projeto antifação. “A Câmara deixou para o ano que vem a PEC da Segurança e (o projeto) antifacção. Isso diz bastante sobre o andar das coisas. Vejo muitos colegas populistas dizendo que o PL da Dosimetria deve ser votado rapidamente, para que essas pessoas passem Natal em casa, o que é mentira”, afirmou. Segundo ele, mesmo com a aprovação, o texto ainda dependeria de sanção ou veto presidencial e de recálculo das penas pelo Judiciário, o que inviabiliza efeitos imediatos.
As mudanças em discussão no Senado não devem alterar os impactos do projeto sobre Jair Bolsonaro. Condenado a 27 anos e três meses de prisão, o ex-presidente teria a pena reduzida para 22 anos e um mês, segundo o texto aprovado na Câmara. O tempo em regime fechado cairia de cinco anos e onze meses para três anos e três meses, o que permitiria a saída da prisão, no máximo, no início de 2029. De acordo com cálculos apresentados pelo relator na Câmara, Paulinho da Força (Solidariedade-SP), a redução poderia ser ainda maior, chegando a dois anos e três meses em regime fechado, conforme critérios de progressão previstos na Lei de Execução Penal.



