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Marcelo Moraes Caetano

Psicanalista, doutor em Letras, professor adjunto na UERJ. Autor de mais de 50 livros publicados no Brasil e no exterior

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Dia da bandeira usurpada?

Uma das razões da usurpação do símbolo da bandeira é a pobreza extrema de signos e símbolos culturais na extrema direita

(Foto: Arquivo/ABr)
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É interessante observar como a ultradireita brasileira contemporânea tentou sequestrar, mais uma vez, o símbolo da bandeira verde e amarela do Brasil como se fosse um dos bastiões de sua “moral”, tal como ocorrera no movimento chamado “verde-amarelismo”, de ética e estética fascistas, ocorrido na década de 1920. Este movimento, assim como grande parte do ethos nazifascista e bolsolavista, em alguns casos parece odiar o passado e se vender como “progressistas” ou “iconoclastas” Era assim que Olavo de Carvalho, com sua retórica virulenta, vendia o seu produto de “pensamento”, sempre se referindo da maneira mais baixa aos pesquisadores do passado ou presente que, com a eloquência das suas obras, acusassem as suas falácias e farsas superficiais, rasas, rasteiras. 

Esse aparente repúdio pelo passado é, na verdade, um repúdio à memória e à tradição de um povo, elementos indispensáveis para a construção da cultura, que por sua vez é o antídoto contra qualquer demagogia populista. Daí essa verdadeira GUERRA CULTURAL. Como tenho frisado, quem vence a batalha da CULTURA vence a guerra. E a cultura do Brasil não é, absolutamente, fácil de ser vencida. Sorte nossa! 

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Uma das razões da usurpação do símbolo da bandeira é a pobreza extrema de signos e símbolos culturais na extrema direita. Eles padecem de uma verdadeira indigência, miséria cultural. Não possuem nada que tenha raízes na memória e na tradição orais, por exemplo, do povo brasileiro. É tudo improvisado, encaixotado, enlatado. Daí eles tentarem se agarrar a esse arremedo de música sertaneja atual, que é breve e descartável. Agarrar-se à bandeira é como agarrar-se a uma tábua de salvação no oceano de aberrações estéticas em que a extrema direita se afoga.

O fascínio pela “máquina” é a ordem estética desse movimento que, no fundo, trava uma guerra contra tradição e memória e, portanto, CULTURA. Hoje, o fascínio e a hipnose pela Inteligência artificial segue, em muitas trincheiras, exatamente esse mesmo propósito. Tratarei dessa questão em outro momento, aqui no 247.

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Sobre a usurpação da bandeira e do verde-amarelo, mais uma vez, Carlos Drummond de Andrade já antevia o sequestro momentâneo de nosso símbolo e a posterior transposição desse estado passageiro, que vai além de fetiches de motivação fascista sobre as meras cores da bandeira:

Água-cor

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O País da Cor é líquido e revela-se

na anilina dos vasos de farmácia.

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Basta olhar, e flutuo sobre o verde

não verde-mata, o verde-além-do-verde.

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E o azul é uma enseada na redoma.

Quisera nascer lá, estou nascendo.

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Varo a laguna de ouro do amarelo.

A cor é o existente; o mais, falácia. (DRUMMOND, 2008, p. 345)

Também Castro Alves parece retirar o halo romântico do “auriverde pendão de minha terra”, alusivo ao verde e amarelo da bandeira, quando indica que antes a “houvessem roto (rasgado) na batalha” do que servir “a um povo de mortalha”:

Auriverde pendão de minha terra, 

Que a brisa do Brasil beija e balança, 

Estandarte que a luz do sol encerra 

E as promessas divinas da esperança... 

Tu que, da liberdade após a guerra, 

Foste hasteado dos heróis na lança 

Antes te houvessem roto na batalha, 

Que servires a um povo de mortalha!...

Vinícius de Moraes ecoa o alerta emitido por Castro Alves em seu famoso poema “Pátria minha”, que ele escreveu em Barcelona, em 1949, e cujo excerto exponho:

Vontade de beijar os olhos de minha pátria 

De niná-la, de passar-lhe a mão pelos cabelos... 

Vontade de mudar as cores do vestido (auriverde!) tão feias 

De minha pátria, de minha pátria sem sapatos 

E sem meias, pátria minha 

Tão pobrinha! 

É muito importante haver atenção para movimentos que se autoproclamam contra o passado e/ou a favor de práticas e tecnologias do futuro. Eles podem ser totalmente conservadores, mas fantasiarem-se de progressistas. Essa é uma das facetas da nova ultradireita brasileira.

No caso das eleições de 2018, no Brasil, por exemplo, toda a retórica sofística se desenrolou ao redor de uma pretensa repulsa ao passado de “corrupção” no Brasil, que justificaria uma “nova política” cheia de nomes da ultradireita. A imprensa e os meios de comunicação, juntamente com parte do poder judiciário, criaram uma cortina de fumaça, como se pôde notar com a “operação lava jato” (que hoje o STF já julgou como uma grande farsa ou law fare), de combate à corrupção para criar factoides e nomes penumbrosos, como Bolsonaro e muitos outros. A ideia de “corrupção” como intrínseca até à constituição físico-biológica dos brasileiros será retomada, por exemplo, em Sergio Buarque de Holanda, como espécie de antítese à “pureza” e à “incorrupção” que estão no cerne dos conservadorismos. 

Em outro momento, falarei da música “Nação”, de Aldir Blanc e João Bosco, e como, tal qual o próprio título indica, há uma “sina verde e amarela como a bananeira” que, ali sim, é subversiva e viva como toda cultura de raiz realmente é. Ao tratar o projeto de uma “Nação” baseado no Orixá Oxumaré, cujas cores são o verde e amarelo, os artistas subvertem todo um status patriarcal heteronormativo.

Mas isso é assunto para uma próxima coluna.

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