"A associação com Alexandre de Moraes só prejudicou a esquerda", diz Rui Costa Pimenta
Presidente do PCO critica a postura de setores progressistas que o tratam como “fiador da democracia"
247 – A associação de setores da esquerda brasileira com o ministro Alexandre de Moraes “só prejudicou a esquerda desde o começo”. A avaliação é do presidente do PCO (Partido da Causa Operária), Rui Costa Pimenta, em entrevista à TV 247 nesta sexta-feira, 26 de dezembro, ao comentar a crise que envolve Moraes, o Banco Master e uma ofensiva aberta do grande capital — com a Rede Globo atuando como porta-voz — contra o magistrado.
Segundo Rui, o conflito não deve ser entendido como uma simples disputa entre imprensa e Judiciário, mas como uma movimentação do grande capital financeiro e bancário para enquadrar ou remover um agente que teria ultrapassado “linhas vermelhas” do sistema. “Aqui não é PT, não é Bolsonaro. Quem armou a cama do Xandão dessa vez foram os bancos”, afirmou.
“Tudo dá a impressão de que o reinado dele está chegando ao fim”
Logo no início da entrevista, Rui indicou que a escalada de denúncias sugere uma mudança de fase. “Tudo dá a impressão de que o reinado do Alexandre Moraes estaria chegando ao fim”, disse. Para ele, Moraes se tornou um problema não por questões morais, mas por ter acumulado poder demais em um regime no qual o Judiciário não pode se colocar acima dos reais controladores do Estado.
“Um juiz nunca é o dono do regime político. Ele é sempre um serviçal. Se ele tem muito poder, começa a incomodar as pessoas que são os verdadeiros donos do regime”, declarou.
A leitura do dirigente do PCO é que a burguesia já vinha emitindo alertas ao STF e a Moraes. “O poder do STF parece que subiu à cabeça. A pessoa perde a noção do que está fazendo”, avaliou.
Denúncias podem ser “armação”, mas seriam “verossímeis”
Um dos pontos centrais da entrevista foi a insistência de Rui em separar intenção política e veracidade dos fatos. Ele defendeu que pode haver uma “armação” para derrubar Moraes, mas sustentada em elementos concretos. “É uma armação, mas não quer dizer que as denúncias sejam falsas”, afirmou.
Na entrevista, ele classificou como verossímeis as denúncias divulgadas pela Globo envolvendo o contrato de advocacia do escritório da esposa de Moraes. “A mulher do Alexandre de Moraes recebeu muito dinheiro e aparentemente para não fazer nada”, comentou. “Nunca houve um contrato como esse. Só isso daí já é assunto para derrubar o ministro do STF”.
O presidente do PCO sustentou que, ainda que não se comprove ilegalidade, o caso seria politicamente insustentável. “Mesmo que você não consiga provar que tenha havido algum ilícito… é muito evidente que é desproporcional. A linha de influência é óbvia”, declarou.
Toffoli, Banco Central e o caso Master: “muito escandaloso”
Rui também comentou o papel do ministro Dias Toffoli em meio ao caso Banco Master. Ele destacou como “extravagante” a audiência marcada para 30 de dezembro, com a presença do banqueiro Daniel Vorcaro, do ex-presidente do BRB Paulo Henrique Costa e do diretor do Banco Central, Aílton de Aquino.
Segundo a avaliação expressa na entrevista, a movimentação reforçaria suspeitas de interferência e pressões internas. “É muito escandaloso, muito escandaloso mesmo”, disse Rui, ao comentar a hipótese de reversão da liquidação do banco. Para ele, isso indicaria que Moraes e Toffoli estariam tentando evitar a liquidação, o que reforçaria a percepção de vínculos mais profundos do que os admitidos publicamente.
“Nem Globo, nem Alexandre”: Rui critica lógica de torcida
Ao longo da conversa, Rui insistiu que o episódio expõe um erro político da esquerda: agir como torcida e escolher lados entre forças do grande capital. “Toda hora que acontece alguma coisa, você tem que tomar partido como se fosse jogo de futebol”, criticou. E emendou: “É evidente que os dois atores do conflito não merecem apoio popular”.
Ele declarou que sua posição é “nem Globo, nem Alexandre de Moraes”, sustentando que a esquerda precisa ter uma linha independente. “A esquerda tem que criticar o Bolsonaro e criticar o Alexandre Moraes”, afirmou.
Foi nesse ponto que Rui sintetizou sua crítica mais dura: “A associação com Alexandre de Moraes só enfraqueceu a esquerda desde o começo”. Segundo ele, ao se aproximar de ministros do STF, setores progressistas se tornaram “sócios” de decisões autoritárias e de violações de direitos democráticos. Ele citou, como exemplo, penas severas aplicadas a pessoas comuns e o que classificou como avanço de medidas de censura sob o guarda-chuva do inquérito das fake news.
“Isso é indefensável”: o contrato como problema político e ético
Rui afirmou que a esquerda não deveria relativizar o caso apenas por conveniência eleitoral ou por medo de fortalecer a direita. Ele rebateu diretamente a ideia, recorrente em comentários e nas redes, de que discutir o tema seria “ajudar Flávio Bolsonaro”.
“O que é realmente útil para o Flávio Bolsonaro… é o fato em si”, disse, defendendo que a direita usaria o contrato como munição política diariamente. “Ele tem os fatos que atuam a favor dele”, completou.
Para o dirigente do PCO, ignorar o episódio por cálculo político seria “politicagem”. “Uma política séria tem que basear essa política na realidade, na verdade. Você não pode dobrar os fatos para ficar defendendo os amigos”, afirmou.
“O grande capital expurga qualquer um”, diz Rui
Outra leitura apresentada por Rui é que Moraes estaria vivendo um padrão típico do sistema: ser promovido como instrumento e, depois, descartado quando se torna inconveniente. Ele comparou a situação a episódios envolvendo Sérgio Moro e Joaquim Barbosa. “É quase um padrão”, disse.
Segundo ele, o grande capital “é um bloco unificado” que controla o regime político e que pode “expurgar qualquer um”. Rui foi direto: “O grande capital é muito poderoso, muito mais do que o pessoal imagina”.
A entrevista também abordou a postura do Banco Central e do presidente Gabriel Galípolo, descrito por Rui como “homem dos bancos”. Ele citou a política de juros elevados como sinal de alinhamento com o setor financeiro e disse que Galípolo teria pouca razão para proteger Moraes em um embate com as grandes instituições bancárias.
PT em silêncio
Questionado sobre a ausência de defesa pública de Moraes por figuras centrais do PT, Rui disse ver nisso pragmatismo político. “O PT tem o hábito de não estender a mão para quem está afundando, porque se afunda junto”, afirmou.
Ele afirmou ainda que, do ponto de vista eleitoral, o cálculo seria evidente. “Quem é o variável mais importante para a reeleição do Lula? O Itaú Unibanco ou Alexandre de Moraes? É o Itaú, com certeza”, disse.
Rui argumentou que Moraes já teria cumprido seu papel dentro do sistema ao enquadrar e condenar o bolsonarismo e ao impulsionar medidas restritivas no campo digital. “A serventia do Alexandre Moraes já foi”, afirmou.
Crise no bolsonarismo e disputa por candidatura
No final da entrevista, Rui também comentou a suposta crise interna no bolsonarismo após Bolsonaro sinalizar Flávio como herdeiro político, com Michel e outros atores em disputa. Para Rui, as tensões devem ser contornadas, mas ele disse ver incerteza sobre se o grande capital aceitará a candidatura do senador.
“Está indefinido se o grande capital vai aceitar ou não a candidatura do Flávio Bolsonaro. Se não aceitar, eles vão partir para cima e tentar forçar um acordo em torno de um nome como o do Tarcísio”, afirmou.
Um embate que vai além de Moraes
Ao longo de quase uma hora de conversa, a linha central defendida por Rui Costa Pimenta foi a de que a crise atual não pode ser reduzida a moralismo ou a disputa entre imprensa e STF. Para ele, trata-se de uma luta de interesses no topo do poder, em que um ministro teria perdido o apoio de quem realmente controla o regime político.
E, na sua conclusão, a esquerda deveria abandonar ilusões e evitar o “xandoísmo” como projeto político. “Isso é um mito… é um Titanic”, disse, em referência à narrativa de que Moraes teria “salvado a democracia”.



