CONTINUA APÓS O ANÚNCIO
Marcelo Moraes Caetano avatar

Marcelo Moraes Caetano

Psicanalista, doutor em Letras, professor adjunto na UERJ. Autor de mais de 50 livros publicados no Brasil e no exterior

22 artigos

blog

Um 7 de setembro sem fascismo: Brasil colônia ou Brasil soberano?

Sem esse horror que nos assolava, podemos refletir sobre a historicidade da independência do Brasil

7 de Setembro 2023 (Foto: Ricardo Stuckert)
CONTINUA APÓS O ANÚNCIO

✅ Receba as notícias do Brasil 247 e da TV 247 no canal do Brasil 247 e na comunidade 247 no WhatsApp.

Sem o imbrochável, temos um 7 de setembro para refletirmos sobre geografia e geopolítica, história e historicidade.

Como psicanalista, tive muito a analisar com a fixação na fase fálica que Bolsonaro e seus seguidores demonstravam. Aquele fascínio por homens fardados, golpes, violência, toda uma virilidade altamente estereotipada travestida por armas, fuzis, motos vibrantes, lutadores de várias modalidades, quase todos bolsonaristas, apegados e aferrados aos machos idolatrados – todo esse transbordar de prazer erótico enrustido na caricatura de um 7 de setembro militarizado finalmente se esvaiu.

CONTINUA APÓS O ANÚNCIO

Os símbolos nacionais, como sabemos inclusive da história recente, podem muito bem ser sequestrados por grupos e retirados do campo de neutralidade.

Durante a ditadura militar, por exemplo, o próprio 7 de setembro foi raptado para ostentar o orgulho de tanques militares e fardas, como se a data pertencesse à corporação militar, escondendo-se a sua real significação, que é a independência do império português em 1822.

CONTINUA APÓS O ANÚNCIO

As próprias cores verde e amarela estão agora, pós-bolsonaro, numa espécie de limbo no imaginário nacional, já que se grudaram excessivamente ao comportamento alucinado e antidemocrático dos bolsonaristas.

Em 2022, eu vi da minha janela, na Avenida Atlântica, um show de horrores no 7 de setembro. Havia uma multidão, muito provavelmente paga com dinheiro público, já que após o fim da “festa” todos desapareceram sem deixar nenhum vestígio, provando que estavam apenas cumprindo expediente.

CONTINUA APÓS O ANÚNCIO

Estávamos às vésperas da eleição, e Bolsonaro em pessoa veio até aqui, na sua moto que fumegava embaixo de suas pernas abertas, seguido de homens e gritos viris. Momentos antes, em Brasília, o mesmo Bolsonaro puxou o coro de “imbrochável” das pessoas que se aglutinavam em Brasília, e tascou um beijo em Michelle Bolsonaro que ela não conseguiu disfarçar o quanto foi indesejado, virando a cara com indisfarçável expressão de repulsa. 

Em 2023, todo esse patriotismo se reduziu a vinte e quatro pessoas (EU CONTEI: 24!) numa alucinação que misturava o hino nacional com a oração do pai-nosso e histerias religiosas, além de várias menções a “Deus, pátria, família e liberdade”. Falavam da “ditadura do STF”, do “nove dedos”, do “caos” na economia atual. Gritavam “Brasil acima de tudo”, o que contrastou com a atitude recente do tenista alemão Alexander Zverev que interrompeu uma partida após ouvir o que ele nomeou (E TODOS QUE CONHECEM HISTÓRIA CONCORDAM) como “a frase mais famosa de Hitler”, que é justamente “Deutschland über alles”, ou... “Alemanha acima de tudo”... Mas os bolsonaristas não conhecem nada de história, e não sabem a origem da frase que eles gritavam aqui sob a minha janela: “Brasil acima de tudo”. 

CONTINUA APÓS O ANÚNCIO

Enfim, sem esse horror que nos assolava, podemos refletir sobre a historicidade da independência do Brasil. Até ano passado, a data tinha a importância simbólica não apenas de reiterar a usurpação dos símbolos nacionais cometida pela ditadura militar dos anos 1960 a 1980, mas também era fundamental para reforçar o caráter de colônia a que o Brasil, naquele momento, se prestava em relação aos Estados Unidos. Aliás, Trump também se apropriou da frase nazista “Deutschland über alles”, que fez Zverev interromper o jogo, com seu “America´s first”.

Ou seja, o 7 de setembro de 1822, em que o Brasil foi declarado livre da metrópole de então, Portugal, foi subvertido para exaltar a dependência colonial de um Brasil que, tanto na ditadura de 1964 quanto no Brasil de Bolsonaro, desejava ardentemente seu estatuto de colônia. E, nesses dois casos, dos mesmíssimos Estados Unidos.

CONTINUA APÓS O ANÚNCIO

Voltando à data originária, 7 de setembro de 1822, é interessante lembrar que a própria Geografia como disciplina autônoma se formou no mesmo século XIX, e em grande medida como um elogio ou uma legitimação ao imperialismo e, portanto, às práticas colonialistas da Alemanha e da França.

Friedrich Ratzel, um dos fundadores da Geografia, sustentava o expansionismo das guerras de conquista de Bismarck, primeiro-ministro da Prússia e do Império Alemão. O próprio conceito de “Geopolítica”, cunhado pelo sueco Kjellen, teve lastro numa forma de operacionalização do imperialismo europeu (do norte, digamos) em todas as suas expressões. 

CONTINUA APÓS O ANÚNCIO

A geografia francesa, tendo como nome seminal Vidal de La Blache, ainda no século XIX e século XX, vai reagir contra o imperialismo da geografia alemã e até à ideia originária de geopolítica. Mas não faz isso como repúdio ao imperialismo como um todo, mas tão somente ao imperialismo alemão. Ou seja, chega-se mesmo ao ponto de se criar uma “Geografia colonial” (com este exato rótulo) com o objetivo explícito de legitimar a França, e não a Prússia-Alemanha e seus aliados, na sanha colonialista que viria a ser empreendida na Ásia e África. 

A revolução francesa, como sabemos, experimentou (e expôs ao mundo) uma classe burguesa que passou de arauto do pensamento progressista (fruto da revolução de 1789, que impunha um tipo de capitalismo que funcionasse contra o vetusto feudalismo), tornando-se uma classe opressora que só buscava a conservação do status quo do tipo de Estado recém-criado, o que a tornou conservadora, embora deixasse como rastro a mesma França que já se havia tornado “o berço do socialismo militante”, no dizer de Robert Moraes.

Pois é sobre essas questões que, agora, sem os fetiches homoeróticos falocêntricos e caricaturais que grassavam nos últimos quatro 7 de setembro, podemos refletir.

A data traz consigo uma carga simbólica rica de significados e significantes, que merece nossa reflexão racional mais séria.

Finalmente podemos nos questionar sobre que tipo ou que projeto de Brasil desejamos como povo. Um Brasil que sirva como colônia de “áreas pivôs”, como cunhou o almirante britânico Halford Mackinder (amigo pessoal de Hitler e também um dos precursores da “Geopolítica”), mero “espaço vital” (Ratzel) dentro dos “gêneros de vida” ou “domínios de civilização” (La Blache) de polaridades hegemônicas como Estados Unidos e Europa? Ou um Brasil com autonomia industrial, mercantil, econômica, ecológica, cultural, simbólica? Um Brasil que não precise reeditar versões incansáveis de pactos coloniais?

iBest: 247 é o melhor canal de política do Brasil no voto popular

Assine o 247, apoie por Pix, inscreva-se na TV 247, no canal Cortes 247 e assista:

Carregando...

CONTINUA APÓS O ANÚNCIO

Carregando...

CONTINUA APÓS O ANÚNCIO
CONTINUA APÓS O ANÚNCIO